Locações por curta temporada em curto

STJ entende que condomínios podem fixar regras e até proibir a prática de aluguel por curta temporada por conta da segurança

 
Leandro Sender
André Luiz Junqueira

Duas decisões tomadas em 2021 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ganharam espaço na mídia e trouxeram preocupação aos síndicos e, em especial, a proprietários acostumados a alugar seus imóveis por temporada. Em 25 de novembro, decisão da 3ª Turma do STJ julgou que a locação por curta temporada no modelo praticado pelo Airbnb pode ser proibida pelo condomínio. Em abril, a 4ª Turma do tribunal também decidiu em favor dos condomínios, para que, eventualmente, possam definir em assembleia pela proibição de locação de suas unidades por curta temporada. Há sentido e fundamentação jurídica em tais decisões? Essa prática de locação por temporada pode trazer riscos à segurança dos condôminos? Aqueles que sempre alugaram as suas unidades ficarão no prejuízo? Esse modelo de aluguel estará fadado à extinção? Que papel cabe ao síndico nesta intrincada equação?

“Em épocas festivas, as ‘locações de curtíssima temporada’, geralmente operadas através de aplicativos, tornam-se mais comuns nos condomínios e, com isso, as discussões sobre sua legalidade ganham maior repercussão. Não há dúvidas de que o proprietário pode usar, fruir e dispor de sua unidade da melhor forma que lhe convier, como preconiza o artigo 1.335 do Código Civil. Inclusive, o artigo 48 da Lei do Inquilinato é claro ao autorizar as locações por temporada, desde que não superem 90 dias. Não se nega o direito do proprietário explorar economicamente seu imóvel. No entanto, o cerne da questão refere-se aos casos em que esta locação ocorre por curtos períodos por meio de diárias, possuindo alta rotatividade”, diz Leandro Sender, diretor do Núcleo de Estudos e Evolução do Direito (NEED) e pós-graduado em Direito Imobiliário pela Abadi.

Ele afirma que, na dinâmica do dia a dia, a simplicidade, a informalidade e as facilidades oferecidas pelas plataformas digitais geram alta rotatividade de pessoas nos condomínios e, por consequência, insegurança e desconforto à comunidade condominial. “É inegável que a locação realizada com diárias gera sensação de vulnerabilidade e de insegurança. Exemplificando, podemos citar a dificuldade no controle de entrada e saída de pessoas; perturbações ao sossego com eventuais festas e algazarras e até mesmo crimes violentos; deficiência quanto à investigação da idoneidade de inquilinos; inexistência ou precariedade de contratação expressa acerca das normas relativas à boa utilização do imóvel locado e das respectivas partes de uso comum”, ressalta.

Membro da Comissão de Direito Imobiliário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB/RJ, e da Comissão de Direito Condominial da ABA/ RJ, Sender destaca que ambos os julgados emanados do STJ não possuem força vinculante, tratando-se de casos concretos específicos analisados pela Corte Superior. “Portanto, com vistas a evitar essas discussões, assim como práticas que tragam à comunidade condominial possíveis situações de risco, sugerimos que o síndico convoque assembleia geral extraordinária para deliberar especificamente sobre o tema. Mediante quórum de dois terços da totalidade dos condôminos, poderão decidir pela proibição desse tipo de locação, ou, ainda, apenas por sua regulamentação, estabelecendo regras que as tornem compatíveis com a realidade condominial, o que consideramos a hipótese mais acertada”.

“As duas decisões do STJ não representam uma ameaça à prática da locação por temporada. Ela pode continuar à vontade, desde que se respeite o estabelecido pelo condomínio onde está situada a unidade imobiliária. Essa é grande consolidação de entendimento após essas sentenças. Assim, o proprietário deve verificar se o condomínio tem tradição e suporta este tipo de locação. Isso é um sinal de civilidade, de respeito à coletividade. O aluguel com alta rotatividade traz, sim, riscos ao condomínio. Em tese, concordamos com as decisões. Ainda cabem recursos, mas ambas estão consolidadas e devem influenciar o país inteiro”, pondera o advogado André Luiz Junqueira, que também é professor e autor do livro ‘Condomínios – Direitos & Deveres’.

Na verdade, essa discussão sobre os aluguéis de curto período já ocorre há quase dez anos. Começou no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com base num caso em que um apartamento na zona Sul carioca, no bairro de Ipanema, supostamente era alugado por temporada. Mas, na verdade, ocorria ali um aluguel para encontros, no estilo ‘cama & café da manhã’. A decisão, neste caso, foi proferida no TJ-RJ há cerca de sete anos. No mesmo sentido, as decisões recentes do STJ estabelecem que, dependendo de como for alugado o imóvel, fique bem caracterizado que ele passa a não ser mais uma ‘residência’, e sim uma ‘hospedagem’. E, nesse caso, o condomínio pode proibir a prática de locação por temporada (por até 90 dias) ou de curta temporada (por menos de 30 dias), desde que a decisão seja tomada pela assembleia”, concluiu Junqueira.

Entenda os casos julgados no STJ

Em 20/04/2021, ao analisar caso em que um proprietário promovia a locação de quartos através da plataforma Airbnb, a 4ª Turma do STJ concluiu o julgamento do Recurso Especial 1.819.075/RS decidindo, por maioria, que a forma de utilização do imóvel alterava a destinação residencial do edifício, posto que exigia relevantes alterações em sua estrutura para possibilitar o controle de entrada e saída de pessoas. Para o colegiado que compôs o voto vencedor, esse sistema comumente apresentado como ‘locação de imóveis por plataforma digital’ caracteriza-se como espécie de contrato atípico de hospedagem – isto é, distinto da locação por temporada e da hospedagem oferecida por empreendimentos hoteleiros, que possuem regulamentações específicas.

Além disso, o ministro Raul Araújo, que proferiu o voto condutor do acórdão, entendeu que a Lei de Locações considera aluguel por temporada aquele destinado à residência temporária do locatário por prazo não superior a 90 dias. A legislação, segundo o ministro, não trata da hipótese de oferta de imóveis com alta rotatividade nem da possibilidade de divisão de uma mesma unidade entre pessoas sem vínculo. Esse primeiro julgado do STJ direciona seu posicionamento no sentido de que tal modalidade de locação não é possível em condomínios residenciais. Mas os condôminos podem deliberar, em assembleia, por maioria qualificada de 2/3, a permissão da utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta similar.

Mais recentemente, em novembro do ano passado, um segundo processo foi julgado pelo STJ (REsp 1.884.483). Neste caso, diferentemente do acima mencionado, o condomínio havia promovido uma assembleia específica e, por 2/3 de votos, alterou a convenção condominial para expressamente proibir locações com prazo inferior a 90 dias. Na mesma esteira do posicionamento antes firmado pela citada Corte, o ministro Ricardo Villas-Bôas Cueva ressaltou que a destinação exclusivamente residencial do condomínio não se compatibiliza com a natureza típica de locações por curtíssima temporada.

 

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