Desjudicialização do despejo e entrega de chaves trazem agilidade ao processo

Casos de inquilinos inadimplentes com crianças ou idosos em casa não barram procedimento. Único senão diz respeito a estabelecimentos de ensino

 
Carlos Samuel

Está em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 3.999/2020, que dispõe sobre o despejo extrajudicial e a consignação extrajudicial de chaves, alterando a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, que trata sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Esse é um tema delicado e que envolve duas partes sensíveis, o proprietário, que aluga seu imóvel, e o locatário, que precisa do mesmo para morar. O que está por trás do novo projeto é a desjudicialização dos procedimentos de despejo e entrega de chaves, quando há recusa, quer do locador em receber a devolução do imóvel pelo locatário, quer do locatário quando não paga os valores devidos ao locador pela locação e uso do imóvel. Para entender melhor como se dará isso, a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS foi ouvir um especialista na matéria: Carlos Samuel de Oliveira Freitas, que é advogado especialista em Direito Imobiliário, professor em cursos de locação predial urbana, ex-presidente da Associação Brasileira Advogados Mercado Imobiliário (Abami), ex-presidente da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), membro do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB) e da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-RJ, além de membro consultor do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

De acordo com ele, os principais benefícios do projeto, de parte a parte, é dar agilidade para solucionar uma situação, que se, judicializada, certamente teria uma grande demora para a solução. “Outro grande benefício será o de desafogar o Judiciário, com ações que podem ser resolvidas pelas vias extrajudiciais, como é o caso dos inventários, do usucapião e modernamente das adjudicações compulsórias que começam a ganhar novas formas, mais rápidas e céleres sem a necessidade do acionamento judicial”, avalia. Para o professor, as funções destinadas ao Cartório de Notas e de Registro de Títulos e Documentos, de modo geral, continuam as mesmas, mas agora com acréscimo de novas atividades.

Alguns analistas preveem que a aprovação do PL pode desencadear insegurança jurídica, dúvidas sobre conflitos de competência e até mesmo quanto à sua efetividade. Perguntamos ao advogado se essa preocupação procede. Para ele, o PL traz em seu bojo, assim como o foi a Lei do Inquilinato a seu tempo, modernismos que em nada usurparão ou trarão conflitos de competência e efetividade, “uma vez que, não resolvida a situação da esfera extrajudicial, o cumprimento da decisão será levado à esfera judicial, o que a meu ver em nada usurpará a efetividade”, esclarece. Quanto à situação do locatário inadimplente, para Carlos Samuel a solução é e será sempre o pagamento ou a composição do que é devido. “Não é factível que use o que não é seu sem o devido pagamento, o que causa prejuízos por vezes incalculáveis e insanáveis, haja vista que a grande maioria dos locadores tem o aluguel como complemento de renda de subsistência. Cabe ressaltar ainda que, quando o locatário se torna inadimplente, além do aluguel deixa de arcar com os encargos da locação, como condomínio, IPTU etc. por vezes até taxas de consumo, o que, além do não recebimento do aluguel, causa prejuízo ao locador por ter que arcar com os encargos, sob pena de, em não o fazendo, vir a perder o imóvel por dívidas deste junto ao município ou ao condomínio”, analisa.

Estado não ajuda em nada na questão da moradia

A pandemia da Covid-19 agravou a economia, e muitas pessoas passaram a ter problemas financeiros, dificultando honrar com seus compromissos. Uma das áreas afetadas foi justamente o aluguel de imóveis. De acordo com dados da Campanha Despejo Zero, houve um aumento de 453% no número de famílias despejadas entre março de 2020, quando havia 6.373 atingidas por ações de despejo, em setembro de 2022, quando o registro é de mais de 35 mil famílias despejadas. Pedimos ao especialista Carlos Samuel uma análise de quais motivos seriam responsáveis por esse quadro e como conjugar a necessidade das pessoas de morar, mas ao mesmo tempo preservar o direito dos proprietários. “A meu ver, não cabe à pessoa física detentora de um patrimônio, que na maioria esmagadora, foi adquirido com sacrifícios pessoais e familiares, cumprir com a função social da moradia dos menos favorecidos, essa função perante a constituição é do Estado. Cabe ainda, como acima mencionado, que na esmagadora maioria a renda de aluguéis é complemento de subsistência de sobrevivência, esse papel pertence ao Estado e não ao cidadão comum.”

Segundo o Censo de 2019, 18,34% dos imóveis residenciais do país são objetos de locação. Assim, a aprovação do projeto poderia gerar grande impacto não só no mercado imobiliário, mas em toda a economia do país. Perguntamos ao advogado qual sua avaliação sobre o impacto econômico da medida. “Muito embora a participação da locação residencial seja no percentual acima mencionado, menos de 20% dos imóveis residenciais, e que vem diminuindo gradativamente graças aos planos habitacionais estatais, como Minha Casa Minha Vida e outros, o índice de inadimplência se situa em torno de 7% a 8%, desse total. À medida que se dificulta o desalijo do inadimplente, se desestimulam os locadores em locar os imóveis disponíveis, o que acaba por gerar uma situação social muito mais séria para a grande maioria dos que necessitam morar, e que cumprem com as obrigações, menos imóveis disponíveis, preços mais elevados, exigências maiores de garantias e maior dificuldade para alugar.”

Para Carlos Samuel, a necessidade de moradia é secular, sempre há a necessidade de acesso, a moradia digna a preço justo. Quanto mais se dificulta o acesso maior se torna a dificuldade dos que necessitam, maior o desestimulo aos que detêm imóveis para locação. “O Estado em nada colabora com a locação para moradia, não há qualquer subsídio tributário ao locador em função dessa atividade que acaba por suprir uma lacuna que é dever do Estado. A continuar desta forma, certamente ao longo dos anos será muito difícil para quem não possui imóvel próprio a locação nos moldes atuais, o que certamente aumentará a crise da moradia.”

Outra preocupação que surgiu na aplicabilidade do projeto é de o despejo do inquilino ser barrado caso ele tenha crianças pequenas em casa. Carlos Samuel explica que não há qualquer vedação legal ao despejo de inquilino em função de crianças, sejam elas pequenas ou adolescentes, bem como em caso de idosos. “Entretanto, em se tratando de estabelecimentos de ensino, o despejo somente poderá ser levado a termo entre seis meses e um ano após a sentença, durante o período de férias. Nas demais modalidades de locações, é o rito normal com as devidas cautelas em casos de asilos e unidades de saúde de garantir a remoção dos pacientes para locais adequados ao estado de saúde de cada um”, finaliza.

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