Quando a falta de memória dos moradores deixa o síndico “à beira de um ataque de nervos” 

Domingo de manhã sou acordada pelo toque do celular. Era
uma cliente, síndica de um condomínio com cento e oitenta apartamentos em Copacabana, na zona sul do Rio.
A cliente estava muito nervosa pois acabara de ser informada do furto de uma bicicleta elétrica que estava no bicicletário. A dona da bicicleta, funcionária pública em cargo alto no governo estadual, teria acabado de descobrir o furto quando ia sair com sua filha de cinco anos.
Ao dar falta de sua bike, a moradora foi para a portaria com a menina e estava promovendo um escândalo, me disse a cliente. Por telefone, a síndica me descreveu a cena: a mulher não para
de falar! Agora já está aos berros, exigindo providências imediatas, falando que o prédio não tem comando, que vai processar o condomínio, que os funcionários são desatentos, que o bicicletário é uma bagunça e até com o pintor ela está implicando, dizendo que ele também deveria tomar conta da portaria! E cada morador que passa ela está abordando para falar do caso! Está promovendo o caos, criando um verdadeiro furdunço! O que eu faço, Doutora?

Eu, ouvindo tudo, logo imaginei uma cena de guerra: a moradora entrincheirada com a sua filha assemelhava-se a um soldado no campo de batalha que, segurando firme sua metralhadora giratória, atirava para todos os lados e buscava fazer dos infelizes vizinhosque atravessavam a portaria no momento, seus aliados!
Orientei a síndica para que, como primeira providência, informasse à moradora que iria fazer um levantamento do ocorrido ainda no domingo. Assim, depois de finda a batalha campal na portaria, a empresa de câmeras compareceu ao condomínio e começou a procurar os caminhos da bicicleta sumida: verificaram o portão principal várias vezes e nada encontraram. Levantaram imagens até dos elevadores e áreas internas, a fim de conferir se alguém teria levado a magrela para o apartamento, mas nada foi encontrado

 

Prosseguindo com a investigação, o técnico passou a conferir as imagens dos dias anteriores e acabou flagrando a reclamante entrando no condomínio a pé e sem bicicleta às 3:30h da manhã de sábado. Ela trajava roupa de praia, vinha com andar cambaleante e uma latinha de cerveja nas mãos. Essa foi a pista para o técnico investigador, que encontrando a chegada da moradora, começou a procurar o momento em que ela teria saído. Verificou então que a moradora havia saído cerca de 10h da manhã de sexta-feira com a mesma roupa, montada em sua bicicleta!
Fim do mistério: a moradora saiu com a sua bicicleta na sexta- -feira de manhã, foi para a praia, “bebeu todas”, pagodeou até a madrugada e retornou ao condomínio a pé, sem bike! Esclarecida a situação, a jovem senhora ainda tentou discutir, mas como havia imagens ficou difícil para a querida! Para completar, nem desculpas pediu…

Dias depois, pelo “rádio corredor”, a síndica soube que foi o dono do quiosque da praia em que a mocinha bebeu e é cliente, que não deixou que ela voltasse para casa “dirigindo” a bike, a fim de evitar acidentes. Claro que sobrou para ele também, que segundo as fofocas condominiais levou a maior bronca pela retenção temporária da bike e por não ter ido ao condomínio avisar do fato! Fica a dica: se for beber não saia de bike e não enlouqueça a sua síndica!

Marisa Dreys é sócia do escritório Arechavala Advogados. Doutoranda em Direito e Sociologia, Mestra em Antropologia e pós graduada em Direito Imobiliário. Membro da Comissão de Direito Condominial da ABA – Associação Brasileira de Advogados e do IBRADIM. Vice Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da 55a subseção da OAB. Professora do CBEPJUR e Aprimora

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