Cárcere privado: síndico colocado em xeque

Caso recente envolvendo uma menor de idade lança luzes de que síndico deve estar informado e ter ciência do que se passa nas unidades que compõem o condomínio

 
Sonia Silva

Caso recente de sequestro de adolescente do Rio de Janeiro, que foi levada e mantida em cárcere privado numa quitinete no Maranhão, chama a atenção para o fato de que vizinhos e, especialmente, os síndicos, precisam buscar informações e apurar situações suspeitas que aconteçam dentro dos condomínios. Com certa frequência, denúncias de cárcere privado são relatadas em todo o país. O que os síndicos devem fazer em situações de suspeita? Quais são os indícios de que algo de errado está acontecendo em um apartamento? Ele deve chamar a polícia? Denunciar? Em casos de comprovada omissão, síndico também poderá responder legalmente?

Advogada especialista em Direito Imobiliário Notarial e Registral, especialista em negócios e transações contratuais, Sonia F. Silva conversou com a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS. “Em sua grande maioria, essas vítimas são mulheres. Esses episódios vêm crescendo a cada dia, e não há programa de proteção 100% eficaz, para impedir que esses fatos aconteçam. Nesse contexto, surgem alguns questionamentos, como essa adolescente chegou nesse local, e lá permaneceu por todo esse período sem ser notada? E de quem seria a reponsabilidade em comunicar às autoridades policiais. Há indícios de prática de ilicitude dentro dos condomínios? Dos vizinhos? Dos síndicos? A título de debate, sem eximir as responsabilidades atribuídas ao síndico, necessário se faz primeiramente a compreensão de alguns fatos que ocorrem em nosso cotidiano, que por muitos podem passar despercebidos, mas que, no caso em questão, merece ser tratado”, comenta ela, que segue em sua explanação.

“Importante mencionar que os munícipios possuem competências próprias, conforme previsto na Constituição Federal. E, entre essas competências, consta a autonomia para regramento local, o que inclui legislar quanto ao uso e ocupação do solo, plano diretor, regras urbanísticas entre outras. Mas o que isso tem em relação ao assunto em comento? Na minha singela opinião, as competências atribuídas aos municípios, além de serem legisladas, precisam ser fiscalizadas. De nada adianta uma legislação completa, onde o próprio poder se omite quanto a suas atribuições e não fiscaliza a própria regra imposta”.

Sonia explica que, se buscarmos legislações municipais em todo o Brasil, dificilmente encontraremos previsão legal, onde o poder público exige e tem um controle eficaz e atualizado, que demonstre o número existente de moradias multifamiliares/plurifamiliares do tipo “quitinete”, e moradias do tipo condomínio. Conhecida também por conjugado ou cortiço, trata-se de uma unidade habitacional com aproximadamente 40m², possuindo cômodos pequenos, que em sua maioria é composto por um quarto, banheiro, sala e cozinha e estão inseridos dentro de um lote com várias unidades. Por outro lado, tem-se “condomínio quando a mesma coisa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sob o todo e cada uma de suas partes, concede-se a cada consorte uma cota ideal, qualitativamente igual a coisa e não uma parcela material desta, por conseguinte, todos os condôminos tem direito.”

No entanto, na prática, o que se verifica é que os municípios, ao aprovarem o início de uma obra (multifamiliar/plurifamiliar), não fazem qualquer controle sobre qual será a destinação futura dessa edificação (venda, locação, uso próprio), e se o fazem, após emissão de habite-se, não conferem se a destinação foi correta e não exigem qualquer informação sobre quem é responsável pela organização daquele espaço. “Esse simples fato traz inúmeros prejuízos para o próprio poder público que deixa de arrecadar, por exemplo, que por consequência, traz prejuízos à sociedade. Infelizmente, as cidades estão abastecidas de irregularidades e falta de fiscalização e/ou punição. Inúmeros são os condomínios existentes de fato e não de direito, onde a busca pelos responsáveis é incessante e, em sua maioria, inexitosos”, pontua. 

Também presidente da Comissão de Direito Condominial da Subseção de Nova Mutum/MT e membro da Comissão De Direito Imobiliário e Urbanístico da Subseção de Nova Mutum/MT, Sonia esclarece que, quando mencionamos a palavra ‘condomínio’, nem sempre estamos nos referindo aos condomínios edilícios. Por vezes encontramos em cidades investimentos na forma de ‘condomínio’, mas que são destinados a locação, ou seja, apesar da forma jurídica estar desvirtuada, o convívio social entre famílias está inserido naquele local, e muitas famílias dividem o mesmo espaço em comum sem qualquer regra.

A entrevistada ressalta que “existindo ocupação multifamiliar/plurifamiliar, independentemente do tipo jurídico adotado (venda ou locação), o controle deveria ser mais preciso. Sendo locação, o locador, na condição de proprietário/possuidor, deve ser responsabilizado por permitir que qualquer pessoa adentre em seu imóvel sem exigir qualquer informação quanto a sua idoneidade moral, preocupando-se apenas com idoneidade financeira. Tratando-se de condomínios, sabemos que o síndico tem suas reponsabilidades previstas na legislação, e que responde pela sua ação ou omissão enquanto gestor. Desse modo, existindo um controle eficaz, por parte da sociedade como um todo, bem como do poder público local e autoridades policiais, talvez os casos envolvendo violência dentro desses ambientes fossem cessados ou reduzidos”, acredita. 

Ela lembra que a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) não menciona diretamente a responsabilidade do síndico em casos de violência doméstica em condomínios. No entanto, a lei estabelece que os poderes públicos e a coletividade devem atuar na prevenção e no combate à violência doméstica. Em alguns estados é possível encontrar legislação, imputando ao síndico a responsabilidade em comunicar às autoridades competentes a ocorrência ou indícios de episódios de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos, com informações que permitam às autoridades identificar vítima(s) e agressor. Mas por outro lado, identificamos a falta de punição em caso de omissão.

“No entanto, independentemente da existência de legislação sobre o assunto, cabe a toda sociedade a obrigação de denunciar às autoridades competentes qualquer indício mínimo de violência ou de ilicitude, devendo sempre existir campanhas visando à conscientização e programas de proteção às mulheres vítimas de violência. Ao passo, se não houve sequer indício de agressão, é necessário ter cuidado com falsas denúncias, para que a situação não se reverta e ainda prejudique outra pessoa, e ainda responda pelo crime previsto no art. 339 do CP. Aos condomínios, de fato ou de direito, recomenda-se afixar, nas áreas de uso comum, cartazes que informem e incentivem os condôminos a notificarem a ocorrência de casos de violência doméstica ou familiar nas unidades condominiais”, conclui Sonia.

Ramon Luiz

Síndico deve estar preparado para as situações do cotidiano

Ramon Luiz é advogado especializado em Direito Cível, Imobiliário e Condominial, professor universitário e membro do Tribunal de Ética e Disciplina e da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/RS. Ele também conversou com a Revista dos Condomínios. “Diariamente nos deparamos com circunstâncias e notícias que colocam à prova a conduta e o agir humano e nos levam às mais diferentes reflexões. Ilustrando, com um recente exemplo, tivemos a lamentável situação de um sequestro de uma adolescente do Rio de Janeiro, que foi mantida em cárcere privado no Maranhão. Graças à atuação da polícia, a menor foi resgatada e o responsável preso. Entretanto, a presente discussão é no sentido de chamar a atenção para onde se instalou o cárcere desta menor: Em uma ‘quitinete’, inserido dentro de um condomínio. E fica a pergunta: onde estava o síndico deste condomínio? Ele sabia? Foi conivente? Omisso? Passou despercebido?”, indaga.

Segundo o especialista, o artigo 1348 do Código Civil enumera os deveres do síndico para com o condomínio. Mas a função do síndico, embora seja taxativa na lei, não podendo ele se dirimir de suas responsabilidades, não pode ficar limitada apenas no que rege a lei. Obviamente ele tem que seguir o que a lei obriga. Entretanto, no cotidiano ele deve estar preparado para muitas outras demandas. Como gestor do condomínio, responde pela má execução das suas incumbências, pela omissão culposa, e também pelos atos praticados de forma abusiva.

“Nesta seara, é importante destacar que é dever, sim, do síndico ser diligente quanto ao que acontece também dentro das unidades. A máxima que o artigo 1335, do CCB, I que reza que o Condômino usar, fruir e livremente dispor das suas unidades, encontra restrições quando o que ocorre lá fere diretamente a lei. Exemplo que também nos valemos são os casos de violência doméstica. E, no caso em questão, o cárcere. O cárcere privado, estatisticamente, se faz valer de lugares mais isolados que não chamem muito a atenção e que o trânsito de pessoas não seja uma característica do local. Mas o espaço dentro de um condomínio também reúne as condições para que o cárcere se instale”.

No caso da menina de 12 anos, explica ele, embora da data do desaparecimento até o seu resgate tenha se passado um total de oito dias, é possível que o síndico seja responsabilizado e, eis que o seu papel enquanto gestor é zelar pelo condomínio e seus condôminos, se ficar provado o contexto e sua eventual omissão quanto ao crime em questão. “É importante destacar que é dever do síndico saber sobre os moradores, sobre a estrutura que se instala dentro do condomínio para prevenir e até mesmo poder impedir situações como a que tivemos no caso da menor resgatada”.

Contatos

Sonia Silva

@sonia.advocacia.extrajudicial

Ramon Luiz

ramonpluiz@gmail.com

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