Cuidado com o que vem (ou cai) lá do alto...

São comuns os acidentes provocados por objetos que despencam dos apartamentos. Cuidados devem ser de todos, e a responsabilidade legal deve ser analisada caso a caso

 
Cristiano de Souza Oliveira

Não raramente, condomínios são palco de acidente que podem lesionar com gravidade moradores e, em especial, crianças… Vasos que despencam das janelas, cortinas de vidro que se estilhaçam, acabamentos que se desprendem da fachada, objetos atirados… Tudo isso pode atingir e ferir quem está lá embaixo, no play, em áreas comuns como parquinhos, piscina e quadras. De quem é a responsabilidade nesses casos? Síndico pode responder? Em quais situações? No caso de uma obra ou instalação de vidros, por exemplo; ele deve obrigatoriamente determinar o isolamento da área inferior? Se não o fizer, e alguém for atingido, pode responder por omissão?

Cristiano de Souza Oliveira é advogado e consultor jurídico condominial há mais de 27 anos. “Inicialmente, em face de nossa legislação determinar, no art. 938 do Código Civil, que o condomínio passa a responder pela queda de objetos, nossa doutrina e jurisprudência dominante acabam por definir que a responsabilidade somente existe quando não identificada a unidade condominial que lançou o objeto. Assim, quando não localizada a unidade, o condomínio como um todo responde pelo dano, não só a face que teoricamente seria a originária, mas todas as unidades, inclusive lojas do térreo, se for o caso, por formarem 100% das frações que formam o todo”, inicia nosso entrevistado, sócio-diretor do Grupo DS&S Consultoria e Treinamento, que segue em sua análise.

“No entanto, a jurisprudência e doutrina entendem que não cabe à vítima tal identificação, podendo o condomínio ser demandado diretamente, esclarecendo que, ‘em homenagem ao princípio da reparação integral do dano, não se impõe à vítima o pesado ônus de indicar de que unidade autônoma caiu ou foi arremessado o objeto, mas, por outro lado, reconhece-se a cada condômino o direito de provar que de sua unidade não proveio o prejuízo. Assim, a análise é casuística e deve ser avaliada caso a caso, como toda a análise de responsabilidade civil, não sendo a avaliação da aplicação do art. 938 simples.”

Segundo Cristiano, a questão leva a outra reflexão: poderia o condomínio fornecer os dados da unidade que originou o dano à vítima, frente a LGPD? “Vejo que nada impede de o condomínio fornecer esse dado, desde que seja questionado por uma interpelação ou notificação judicial, que informe a razão específica, qual seja, procedimento judicial indenizatório. Porém, da mesma forma, poderá haver interpretação diversa. Nesse sentido, cabe ressaltar que, inicialmente, a vigilância na qualidade e manutenção da fachada, no uso dos parapeitos das janelas, bem como na rápida adoção de providências administrativas, quando se encontrarem irregularidades, deve ser de pronto por parte do condomínio, ainda que não eximam de responsabilidade os condôminos. Esses cuidados mitigam os riscos, além, é claro, de uma política interna de conscientização dos riscos e problemas que o condomínio como um todo pode sofrer pelo descaso, desleixo ou mera desatenção”, afirma ele, que conclui sua participação.

“Por fim, sem ser menos importante, em obras ou mudanças que usem içamento ou quando houver troca de janela, além das preocupações da ABNT 16280:2020, uma atenção especial do condomínio com exigências de documentos, deve haver comunicação aos andares inferiores e o isolamento de área deve ser o mínimo exigido, além de seguros, se o caso”, pontua Cristiano, também mediador judicial e privado cadastrado perante o CNJ, vice-presidente da Associação dos Advogados do Grande ABC, membro do Grupo de Excelência em Administração de Condomínios – GEAC do CRA/SP, palestrante e professor de Direito Condominial, Mediação e Arbitragem, além de autor do livro “Sou Síndico, E agora? Reflexões sobre o Código Civil e a Vida Condominial em 11 lições” (editado pelo Grupo Direcional em 2012). 

Caroline Rossetti Gruber

Três esferas de responsabilidade

“De forma geral, no dia a dia condominial, três são as responsabilidades civis que mais destacadas: responsabilidade do condomínio; responsabilidade do síndico; responsabilidade do condômino. A responsabilidade civil do condomínio por dano causado a terceiro é exemplificada na queda acidental de um pedaço de reboco do edifício, provocando avarias no telhado do vizinho ou, ainda, lesionando um transeunte. Essa responsabilidade, por ser do condomínio, significa que será suportada por todos os condôminos que ratearão a indenização – reparação do dano – à vítima”, exemplifica nossa segunda entrevistada, Caroline Rossetti Gruber, advogada condominialista especialista em Direito Societário e Empresarial (Cesusc) e sócia do escritório Rossetti & Gruber Sociedade de Advogados.

Segundo ela, outra coisa é a responsabilidade do síndico, que emana da lei e decorre da violação de algum dos seus deveres legais ou convencionais, causando dano a condômino ou a terceiro. Afinal, o síndico tem o poder-dever de diligenciar e fazer a guarda das áreas comuns do edifício (art. 1348, CC). Como exemplos, têm-se a falta de sinalização de “piso molhado” em que morador sofreu queda durante a limpeza e a pastilha que se desprende da fachada e atinge um passante. Por certo, a responsabilidade pelo dano à vítima é do condomínio.

“Todavia, explorando outro ângulo de forma complementar, pode-se tratar de hipótese em que caiba ao condomínio agir regressivamente contra o síndico que, ao ter referida manutenção aprovada em assembleia, não a realizou nos termos, modos e prazos em que aprovada. Ou seja, no exemplo dado, o síndico deixou de cumprir a manutenção predial que lhe fora destinada, sendo omisso, chamando a responsabilidade do evento para si. Acidentes em elevadores são outro caso comum. A responsabilidade do síndico é a de contratar empresa especializada que faça o diagnóstico e a manutenção periódica dos equipamentos. Acidente envolvendo a manutenção cabe a responsabilidade à empresa. Porém, será do condomínio a responsabilidade caso a empresa tenha recomendado a instalação/substituição de peça e o condomínio não autoriza o serviço, decorrendo o acidente de sua omissão”, afirma.

Já a responsabilidade do condômino se traduz na responsabilidade de cada condômino na manutenção de sua unidade autônoma. Nesse norte, acidentes causados a terceiros devido à queda de objeto na janela ou de um aparelho de ar-condicionado, por exemplo, são responsabilidade do condômino daquela unidade que, por sua vez, provocou o dano, seja pela ação de jogar algum objeto de lá ou pela omissão na conservação que lhe competia. “Exemplo aqui é o vaso que despenca de janela ou varanda de unidade autônoma. Entretanto, quando não se conseguir identificar de qual unidade autônoma caiu um objeto que causou danos a terceiro, a responsabilidade por arcar com os prejuízos causados será do condomínio, clamando pela solidariedade entre todos os condôminos”, sentencia, em concordância com a afirmação feita pelo nosso primeiro entrevistado.

Esse raciocínio é o mesmo no caso de objeto lançado por criança que atinge alguém seja na área comum ou na área pública (quando lançado da fachada frontal), causando danos. Se for identificável a unidade, trata-se de responsabilidade do condômino; se não, do condomínio (de forma subsidiária). Consideração importante é a que cabe eventual seletividade na participação de condômino com apartamentos voltados para pontos diferentes do horizonte, em que não se sabe a autoria, mas se prova que o detrito/objeto só poderia ter sido lançado das unidades com face para a rua ou para os fundos, já se decidindo que somente os condôminos potencialmente danosos devem arcar com o valor da indenização, excluindo-se aqueles de cuja unidade a partir das quais seria impossível atingir a vítima.

“Citando a realização de obras que podem ocasionar acidentes a transeuntes, cautela necessária é a análise prévia do item ante o detalhamento do que será realizado pelo respectivo profissional técnico que executará o serviço, em conjunto com o síndico, determinando as medidas preventivas necessárias à segurança de todos. Exemplo é o caso da instalação de vidros na fachada interna do edifício. Pergunta-se: o síndico deve determinar o isolamento da área inferior? Se não o fizer e alguém for atingido, quem é responsável? A resposta passa pela análise dos riscos da execução dessa ação e da elaboração de seu planejamento técnico, que envolve o respectivo profissional responsável e o síndico, buscando a segurança de todos”, destaca Caroline, também pós-graduanda em Direito Condominial, vice-presidente e diretora Jurídica da Associação de Síndicos de Balneário Camboriú (ASBALC) e diretora estadual na Associação Nacional da Advocacia Condominial em Santa Catarina (Anacon/SC).

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Cristiano de Souza

Caroline Rossetti Gruber

@carol_rossetti_gruber

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