Sinal verde para a sustentabilidade

PEC do IPTU Verde prevê descontos para condomínios que tenham compromisso com a questão ambiental. Medida já é adotada por mais de 50 municípios brasileiros

 
Marcelo Pasetti

O Senado aprovou, em 13 de dezembro do ano passado, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê alíquotas diferentes de IPTU com base em critérios ambientais adotados para cada imóvel. O chamado IPTU Verde considera medidas sustentáveis para aplicar descontos no imposto. Os critérios envolvem medidas como reaproveitamento de águas pluviais, reuso da água servida, grau de permeabilização do solo e utilização de energia renovável no imóvel. Agora, a PEC segue para a Câmara. O que dizem especialistas? A proposta é válida? Traz benefícios reais? Pode mesmo incentivar a consciência e o compromisso ambiental? Há exemplos similares pelo mundo? Como síndicos podem tornar seus condomínios mais ‘verdes’, a partir de medidas simples? Quanto custa investir em sustentabilidade?

“Toda promoção em favor da sustentabilidade significa garantir que nossa sociedade tenha os meios necessários para continuar a existir em gerações futuras. Nessa linha, os esforços de sustentabilidade constantes na PEC n° 13, de 2019, preveem estabelecer alíquotas diferenciadas para o Imposto Predial e Territorial Urbano, com base em critérios ambientais adotados para cada imóvel. Aliás, medidas como essa já vinham sendo praticadas por diversos municípios brasileiros, como Salvador (BA), Vila Velha (ES), São Carlos (SP), Araraquara (SP), Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR). Nossa Constituição Federal permite, em seus artigos 30 e 61, a elaboração de lei tributária benéfica diante de interesse local e pela prerrogativa de competência legislativa concorrente entre os entes políticos – União, estados, Distrito Federal e municípios”, afirma Marcelo Pasetti, mestre em Direito, professor do curso de pós-graduação em Gestão Condominial da Faculdade Mario Quintana (Famaqui), em Porto Alegre, além de advogado e CEO na Norte Compliance.

O entrevistado aponta que a PEC do IPTU Verde possui motivação para reforçar o compromisso do Brasil, enquanto país, na importância da vitalidade do meio ambiente, a ser alcançado pela extra fiscalidade tributária, através de incentivos fiscais que visem ao encorajamento do comportamento sustentável na utilização de imóveis. “Entretanto, caberá a cada município decidir se quer ou não a adoção de IPTU Verde. Em sendo positivo, o município deverá possuir legislação para regulamentar a matéria com base em critérios ambientais para cada imóvel, com a fixação de alíquotas diferenciadas do imposto, cujos parâmetros previstos na PEC são: a localização do imóvel; aproveitamento de águas pluviais; o reuso da água servida; o tratamento local das águas residuais; a recarga do aquífero; a utilização de telhados verdes; o grau de permeabilização do solo; e a utilização de energia renovável no imóvel.” 

Nos termos da proposta da PEC do IPTU Verde, somente o acréscimo no inciso III do § 1º ao art. 156 da Constituição Federal “não incidirá sobre a parcela do imóvel em que houver vegetação nativa” e será obrigatória sua observância, ou seja, passará a produzir efeitos após decorridos 180 dias da data de publicação da referida Emenda Constitucional. Nesse período, explica Marcelo Pasetti, os municípios deverão se adequar à alteração para não cobrança de IPTU sobre essa parcela do imóvel que possua vegetação nativa.

“Na parte em que consta a não incidência de IPTU sobre a parcela do imóvel em que houver vegetação nativa, os municípios deverão se adequar após 180 dias da promulgação da Emenda Constitucional, sob pena de lançar mão de mecanismos constitucionais de controle à omissão legislativa, como o Mandado de Injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. É possível que novos empreendimentos observem a manutenção de vegetação nativa como incentivo à pratica de responsabilidade social, além de trazer valor agregado ao imóvel pela redução do IPTU. As demais ações previstas na PEC dependerão de iniciativa dos municípios para adoção”, diz Marcelo, que segue em suas ponderações.

“Pela PEC do IPTU Verde, caberá aos municípios a responsabilidade em assumirem a liderança na transição para tornar as cidades mais sustentáveis. Todavia, há que buscar esforços legislativos federais e estaduais, através de incentivos fiscais, para aquisição de materiais e serviços que possibilitem aos imóveis adotarem os parâmetros de sustentabilidade previstos na PEC. Isso porque a conservação do meio ambiente deve ser encarada como política de alta prioridade, com a participação efetiva da sociedade e concatenada entre todos os entes políticos, em direção à sustentabilidade de cidades mais ordenadas e sustentáveis socialmente, por meio da construção civil ecológica e voltada para a qualidade de vida da população.”

Daí, ressalta nosso especialista, a importância na intervenção pelo Estado na economia para regular e normatizar seus efeitos, a fim de incentivar ações sustentáveis, dedicadas às políticas tributárias de proteção ao meio ambiente. Assim sendo, há que se buscar instrumentos fiscais que possam mitigar prejuízos ao meio ambiente através de comportamentos positivos que proporcionem a redução dos índices de poluição. Por isso, o Estado deve abster-se em exigir os tributos que já existem ou diminuir o montante dos atuais, premiando atividades de particulares que reduzam ou internalizem custos ambientais em seus imóveis para alcançar os objetivos de meio ambiente e sustentabilidade. 

Segundo ele, a medida pode mesmo incentivar a consciência e compromisso ambiental. E já soma bons exemplos mundo afora. “Incentivos fiscais têm a capacidade de provocar comportamentos positivos que proporcionem a redução dos índices de poluição e a utilização de mecanismos corretos na utilização de imóveis. O California Green Building Standards Code (CGBSC), também conhecido como CALGreen, é um código de construção “verde” do Estado da Califórnia (Estados Unidos), que regulamenta a eficiência energética, eficiência e conservação de água, conservação de materiais e eficiência de recursos, qualidade ambiental para edifícios comerciais, residenciais e escolas públicas.”

Mas como síndicos podem tornar seus condomínios mais verdes a partir de medidas simples? Quais os primeiros passos a serem dados por aqueles que ainda não iniciaram sua caminhada em direção à sustentabilidade? “Realizar a coleta seletiva do lixo, com a classificação, o descarte e a reciclagem. Economia de água e energia. Utilização de lâmpadas led. Investir em sustentabilidade custa zero ou quase nada. Através de medidas de conscientização por meio de circulares, cartazes, reuniões e debates sobre a importância de preservação do meio ambiente, é possível preservar e ainda gerar economia para o condomínio.”

Vander Andrade

Investimento com retorno garantido

Vander Ferreira de Andrade é advogado, especialista, mestre e doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-doutor em Direito Constitucional Europeu pela Universitá Degli Studi di Messina (Itália), onde defendeu a tese Teoria Geral do Direito Condominial. “A proposta da PEC é extremamente válida, pois torna concreto aquilo que a Constituição Federal, de forma abstrata, determina para toda a sociedade, incluindo governos locais, regionais e, em nível nacional, vale dizer, com compromissos para com a tutela, a educação, a consciência e a sustentabilidade. Isso não é uma escolha a fazer, é um mandamento constitucional que deve ser cumprido. E cujos benefícios são colhidos pelas presentes gerações, mas se dirigem igualmente às futuras gerações, sendo o nosso dever deixar para o futuro um planeta mais sustentável”, defende.

Também palestrante e articulista de diversas revistas especializadas em Direito Condominial, Vander acredita que a grande vantagem desse modelo é a adoção de um sistema reverso de incentivo. “Em vez de punir com multas, embargos, apreensão de bens e de objetos, cria-se uma ‘sanção premial’, como diria o saudoso professor Franco Montoro, com a redução do valor a pagar em um tributo intimamente vinculado às cidades e aos centros urbanos”, avalia nosso segundo entrevistado, presidente da Associação Nacional de Síndicos e Gestores Condominiais, coordenador adjunto nacional acadêmico da Associação Nacional de Advogados Condominialistas e pró-reitor de Administração e Planejamento e coordenador do Curso de MBA em Direito e Gestão Condominial e do Curso de Direito e Negócios Imobiliários do Centro Universitário Fundação Santo André.

“O IPTU Verde já existe em 55 cidades brasileiras. No mundo, os incentivos fiscais para proteção do meio ambiente possuem ainda maior amplitude. Na Áustria, o tributo chamado VAT (equivalente ao nosso ICMS) pode ser reduzido para induzir empresas e cidadãos a escolherem operações mais limpas em suas rotinas. No Canadá, há incentivos no Imposto de Renda, mediante a utilização pelos cidadãos e empresas de determinados bens previamente classificados como ecologicamente aceitáveis. Na Holanda, quando o particular investe em projetos ambientais, como energia renovável, reconhece-se o direito à isenção no cálculo do Imposto de Renda. Na França, há previsão de incentivos fiscais na forma de isenções e reduções tributárias relacionadas com questões ambientais. Trata-se, portanto, de uma tendência irreversível e de alcance global”, sentencia.

Para Vander, um condomínio sustentável é criado a partir da soma de uma série de medidas de gestão, dentre as quais podem ser enunciadas o uso de fontes de energia limpa e renovável, o emprego de energia solar, a adoção de coleta seletiva de lixo e de uma política interna de responsabilidade social, o uso de lâmpadas LED, a reutilização de água da chuva, a criação de áreas verdes, entre outras ações análogas. 

“Não devemos questionar quanto custa investir em sustentabilidade. A pergunta está errada. Devemos nos perguntar quanto custa a poluição, quanto custam os danos, os crimes ambientais. Esses delitos, em sua esfera de abrangência, geram danos imensuráveis e incalculáveis, até porque o dano ambiental, em sua essência, pode ser irreversível, cujo exemplo mais elementar pode ser demonstrado na destruição da fauna silvestre ou na morte de rios e de lagoas. Portanto, investir – e não ‘gastar’ – em sustentabilidade deve ser sempre considerado barato”, conclui.

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Vander Andrade

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