Condomínio como pessoa jurídica: uma visão sistêmica

Sem o intuito de aprofundarmo-nos sobre cada um dos temas que serão aqui objeto de análise, é importante termos em mente a ótica sob qual cada categoria jurídica encontra repouso no universo dos condomínios edilícios, de modo que o operador do direito possa manejar de forma adequada os instrumentos que o ordenamento jurídico lhe fornece para a solução dos casos concretos que lhe são postos.

Sem maiores delongas, ainda que de forma breve, muito se discute se o condomínio edilício é ou não uma pessoa jurídica, já ousando consignar aqui nossa posição, entendendo-o como um ente despersonalizado, cuja razão de ser encontra amparo nos termos do artigo 75, IX, do CPC. (1)

É valido destacar que atualmente há no Congresso Nacional importante projeto de lei (2), de autoria do Senador Fernando Bezerra Coelho, atualmente em trâmite na CCJ da Câmara dos Deputados, tendo como relator o Dep. Enrico Misasi, visando a permitir ao condomínio edilício, mediante o atendimento de alguns critérios, sua transformação em pessoa jurídica.

Em apertada síntese, via de regra se discute muito sobre o condomínio ter ou não personalidade jurídica para enfrentar questões, como por exemplo adjudicação de unidades autônomas objeto de processo de cobrança/execução de cotas condominiais ou até mesmo aquisição de prédios vizinhos para fins de melhoria dos seus espaços internos.

Se analisarmos o ordenamento jurídico de forma sistemática, acreditamos que essa questão fica facilmente resolvida se observado o que diz o artigo 63, § 3º, da Lei 4.591/64, na parte das incorporações imobiliárias. Tal dispositivo permite, dentre outras coisas, o direito do condomínio, observados os seus critérios, adjudicar unidades (ainda que em construção) por decisão unânime dos condôminos. (3)

Não podemos deixar de consignar que a VII Jornada de Direito Civil do Centro de Estudo Jurídicos do Conselho de Justiça Federal, através de enunciado nº 596, entendeu que “O condomínio edilício pode adquirir imóvel por usucapião”, reforçando a tese, ao nosso sentir, da desnecessidade de transformação do condomínio em pessoa jurídica para este fim.

Convém deixar claro, entretanto, que o próprio CJF, na III Jornada de Direito civil, através do enunciado 246 (4), alterou a redação original do enunciado 90, suprimento a parte final do enunciado, que conferia a personalidade jurídica ao condomínio somente “nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse”, nos levando a crer que atualmente, no entendimento do órgão, deve ser conferida personalidade de forma irrestrita.

1 “Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (…) XI – o condomínio, pelo administrador ou síndico.”

2 PL 3.461 de 2019.


3 “Art. 63. É lícito estipular no contrato, sem prejuízo de outras sanções, que a falta de pagamento, por parte do adquirente ou contratante, de 3 prestações do preço da construção, quer estabelecidas inicialmente, quer alteradas ou criadas posteriormente, quando for o caso, depois de prévia notificação com o prazo de 10 dias para purgação da mora, implique na rescisão do contrato, conforme nele se fixar, ou que, na falta de pagamento, pelo débito respondem os direitos à respectiva fração ideal de terreno e à parte construída adicionada, na forma abaixo estabelecida, se outra forma não fixar o contrato. (…)§ 3º No prazo de 24 horas após a realização do leilão final, o condomínio, por decisão unânime de Assembleia Geral em condições de igualdade com terceiros, terá preferência na aquisição dos bens, caso em que serão adjudicados ao condomínio.”

4 “Fica alterado o Enunciado n. 90, com supressão da parte final: “nas relações jurídicas inerentes às atividades de seu peculiar interesse”. Prevalece o texto: “Deve ser reconhecida personalidade jurídica ao condomínio edilício”.

Roberto Bigler é do sócio do escritório Alves & Bigler. Diretor jurídico da Abadi, membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/RJ, membro da Comissão de Direito Condominial da ABA, Membro da Abami e da Ibradim.

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