Gardens do lixão e da falta de educação

Disputados em razão da oferta de espaço em área externa, esses modelos de apartamento exigem educação dos moradores. E atenção redobrada dos síndicos

 
LUCIANO GOMES DE LAURO

Um novo padrão de plantas, sedutora por apresentar boa área externa, similar ao quintal de uma casa, reacendeu conflitos antigos por uma questão de educação – no caso, a falta dela, mesmo. Os chamados apartamentos gardens, muito presentes nos empreendimentos mais modernos, trazem uma promessa de jardins e piscina privativa. Mas abrem espaço para o arremesso de detritos de todo espécie, vindos das unidades superiores – restos de comida, guimbas acesas de cigarro, papéis e sacolas plásticas e até preservativos usados. Como o condomínio pode disciplinar essa questão? E o síndico, como deve agir diante dessa relação desrespeitosa entre vizinhos?

Luciano Gomes de Lauro é advogado militante, síndico profissional há mais de dez anos e sócio da empresa LHL síndicos profissionais. Segundo ele, com prós e contras, este tipo de apartamento são um grande sucesso no mercado imobiliário. “Antes taxados de ‘patinho feio’, os apartamentos tipo garden se transformaram em queridinhos. Com o isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19, as pessoas perceberam a necessidade de morar com mais espaço e áreas abertas, buscando assim melhor qualidade de vida. É neste novo cenário que os apartamentos garden se firmam como nova tendência de moradia.

Segundo o entrevistado, as construtoras e incorporadoras perceberam esta nova demanda e passaram a incluir os gardens em vários dos seus lançamentos, incluindo desde unidades mais populares até as de médio e alto padrão. Por definição, o apartamento garden é uma unidade que possui espaço com parte externa própria. É também conhecido como jardim privativo e, geralmente, fica no térreo ou no primeiro andar do prédio, com pequenos quintais, jardins, piscina, churrasqueira e outros elementos que o morador desejar. Historicamente, os térreos sempre foram conhecidos por serem mais baratos, em razão do barulho e da falta de privacidade. Contudo, as construtoras encontraram uma forma de valorizá-los alterando o seu perfil, ampliando-os até com aparelhos de lazer. Isso acabou deixando essas unidades com jeito de casas. E elas passaram a ser mais procuradas.

Há, sim, vantagens nesse estilo de habitação, como espaço, qualidade de vida e valorização, aponta Luciano. “Quem busca por esse tipo de imóvel costuma ter animais de estimação ou crianças pequenas, e busca espaço e a possibilidade de ter uma área particular para o lazer. Também é um espaço a mais para se ter uma jardineira de temperos, por exemplo, ou um local para relaxar depois de um dia de trabalho e receber os amigos. Morar em um local que oferece mais qualidade de vida e segurança é uma prioridade para diversas pessoas, em especial nos grandes centros urbanos. Outro ponto para destacar é a valorização desse tipo de empreendimento com o longo prazo. Segundo Jomar Monnerat, gestor da Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário, esta planta valoriza de 10% a 15% as propriedades”.

Desvantagens merecem um olhar criterioso

No outro extremo, estão as desvantagens. “Os apartamentos garden normalmente são isolados da área de circulação do prédio por muros, sendo desprovidos de vista como os dos andares superiores. Então, tudo vai depender do seu objetivo. Quer um quintal ou uma vista? Por ser mais perto da rua, da área de lazer ou do hall de entrada, o barulho externo pode ser um incômodo. Por contar com uma área privativa maior, o valor da taxa condominial da unidade costuma também ser mais elevada em comparação com as demais, exceto as coberturas. Neste caso, vale conferir como a taxa condominial é calculada, para evitar surpresas”, alerta.

Luciano Gomes deixa para o fim os principais problemas experimentados por aqueles que investem nos gardens. “A falta de privacidade é um dos grandes problemas para quem mora nesse tipo de apartamento. As pessoas dos andares acima conseguem visualizar o local, tirando a privacidade dos moradores. O lançamento e a queda de objetos são outros pontos desagradáveis, que podem causar conflitos. São os objetos vindos das unidades superiores, tais como bitucas de cigarro ou lixo de toda ordem”.

Mas, será que há como disciplinar a questão? “O problema da visibilidade pode ser solucionado com a instalação de coberturas, que podem ser abertas, fechadas ou escamoteáveis. Contudo, é importante conferir se a convenção condominial ou o regimento interno permitem a instalação desse tipo de equipamento na área e qual o padrão a ser seguido, a fim de evitar inconformidades com a fachada do prédio. Se a edificação é nova, é importante o síndico definir em assembleia específica os materiais e a padronização a ser seguida, evitando assim, problemas para o morador e para o condomínio. Já com relação ao lançamento ou queda de objetos, trata-se de um problema recorrente, não só para as unidades térreas, mas para toda a área comum do condomínio e até na vizinhança, o que vai muito além do mero incômodo, podendo também causar graves acidentes. A falta de educação e o descuido são os principais responsáveis pela ocorrência desse tipo de ação”, lamenta o advogado, que segue em sua análise.

“O síndico, por meio de circulares, pode fazer campanhas educativas para esclarecer os moradores dos riscos, ao mesmo tempo em que chama a atenção para as normas condominiais e a legislação vigente, com as implicações as quais os responsáveis, incluindo o próprio condomínio, o síndico e os condôminos, estão sujeitos. Quando não se consegue apontar o responsável, todos arcarão com o prejuízo. Por isso, toda atenção deve ser dada. As convenções podem estabelecer multa para o morador infrator, sem prejuízo das sanções de natureza cível (danos morais e materiais) e até criminal, caso alguém seja lesionado (lesão corporal, Art. 129 C.P.)”, aconselha.

MARCIA DE FREITAS FONSECA

Imbróglio judicial pode gerar gastos

Advogado, mestre em Direito e procurador do município de Rio das Ostras, Vitor Penno também abordou o tema, atendendo ao convite da Revista dos Condomínios. “Assim como nas eleições gerais, as para escolha do corpo diretivo de um condomínio devem se submeter aos padrões éticos de conduta exigidos na vida em sociedade e no processo sufragista. Da mesma forma como o exercício da gestão pelo síndico não significa um salvo conduto para uma atuação despótica, o procedimento para escolha do ocupante do cargo deve atentar para os preceitos da transparência, legalidade, lealdade e boa-fé objetiva, sob pena, inclusive, de nulidade formal passível de contestação judicial, o que pode gerar gastos desnecessários ao condomínio”, alerta.

Sob o primeiro prisma, a transparência possui múltiplas vertentes: primeiro, ao exigir uma alta exposição no ato convocatório da assembleia geral ordinária de eleição, que deve ser amplamente divulgado para viabilizar a presença do maior número de condôminos aptos à votação. Segundo, com a designação de uma presidência para a assembleia que seja capaz de agir com lisura, imparcialidade e nitidez em suas determinações, explicando as regras cabíveis, com o auxílio da administradora e/ou assessoria jurídica contratada, se houver, e assegurando mecanismos que garantam igualdade de participação por aqueles interessados em se manifestar, dentro dos temas propostos pelo instrumento convocatório. E, por fim, com a exata aferição dos votos e divulgação verbal e escrita do resultado.

“Evidentemente, nada terá validade se não for respeitada a legalidade dos procedimentos, determinada nas leis específicas aplicáveis, como Código Civil, Lei nº 4.591/64 e Lei nº 8.245/91, entre outras. E o disposto na convenção condominial e nos regimentos internos, em especial os relacionados às formalidades da eleição e à capacidade para concorrer aos cargos em disputa, assegurando o caráter democrático do pleito. A constatação de desvios graves de conduta, como fraude nas votações, compra de votos, campanha antecipada e fake news, é violação dolosa de legalidade, redundando na nulidade dos atos, que se tornam contaminados pelas ações ilícitas dos agentes”, resume Vitor Penno, que propõe aos leitores mais uma importante reflexão.

“Para se consolidar uma eleição alvissareira, não basta que ela seja legal. É preciso que seja legítima, com a tomada de todas as providências necessárias para assegurar a boa-fé objetiva e o cumprimento do dever de lealdade na direção do processo eletivo e na relação entre os participantes. Em razão disso, amizades ou conflitos pessoais devem ficar fora do recinto, sendo a impessoalidade um impositivo de validade jurídica da assembleia geral e, consequentemente, da eleição. Somente assim se poderá certificar que o exercício dos poderes de direção do síndico estará revestido da legitimidade democrática exigida não apenas pelo ordenamento jurídico, mas também por uma sociedade que busca caminhar em uma direção mais justa e ética”.

DIOGO PEREIRA

Transparência e legitimidade

Sócio da André Viz Advogados e Associados, especialista em Direito Corporativo pelo IBMEC e presidente da Comissão de Direito Constitucional da Associação Brasileira de Advogados (ABA-RJ), Diogo Pereira segue a mesma linha. “As eleições para síndico de um condomínio nada mais são do que processos de escolha do administrador da propriedade comum. Esse processo, tal qual as eleições para os mandatos políticos, precisa ser regular, probo e transparente. Nas eleições para síndicos, geralmente os proprietários das unidades elegem um representante, cuja responsabilidade é gerir a propriedade comum, além de organizar e pacificar as relações entre os moradores e proprietários. Embora a eleição para síndico seja o exercício de um direito decorrente da propriedade privada, o procedimento possui regras específicas que precisam ser observadas”.

Segundo nosso especialista, as principiais regras previstas na legislação ordinária para eleição do síndico são prazo do mandato do síndico e do conselho fiscal não superior a dois anos; eleição por maioria simples dos presentes na assembleia, salvo disposição contrária da convenção; possibilidade de reeleição; e proibição do condômino inadimplente de votar. As convenções também podem conter outras regras para eleição de síndico, além daquelas previstas no Código Civil, desde que não contrariem dispositivo expresso na legislação federal.

“As principais irregularidades verificadas na jurisprudência se referem a vícios na convocação de assembleia, desrespeito ao quórum previsto na legislação e na convenção, irregularidade nas procurações e na recusa de procurações, colheita de voto de condômino inadimplente, omissão de informações relevantes na ata de assembleia. Uma questão que também causa dificuldade é quando ocorre o empate e a convenção não estipula regras para o desempate. Geralmente, esses casos acabam por ser judicializados, cabendo ao juiz decidir os critérios de desempate. Nos casos de empate e judicialização é comum a utilização da fração ideal como peso em cada voto”, conta Diogo Pereira.

A gestão cada vez mais profissionalizada dos condomínios deve mitigar os problemas e dificuldades decorrentes da falta de regras específicas na legislação e nas convenções condominiais, que podem dispor de regras adicionais que tornem o processo cada vez mais regular. Para tanto, é possível utilizar a legislação eleitoral como referência. Os critérios de eleição de síndico que preveem, por exemplo, necessidade de ‘ficha limpa’ e a cassação de candidatura por utilização de fake news, podem ser importantes ferramentas para a eleição de um gestor com perfil adequado para o condomínio. Entretanto, é necessário preservar o direito de defesa do condômino acusado, para não atrair nulidade ao processo. “É salutar o engajamento dos condôminos na eleição de síndico pois, como já dissemos, uma eleição bem-sucedida é aquela que garante a plena representatividade aos eleitos”, finaliza Diogo.

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