Locação por curta temporada: mais problemas à vista?

Entenda o que caracteriza o aluguel por temporada e por que é importante regulamentá-lo pela convenção de condomínio

 
KARINE PRISCO E SÉRGIO HERRERA

Síndica profissional há dez anos, Karine Prisco, curiosamente, enfrentou na própria casa os problemas dos quais tanto ouve os condôminos falarem. Era barulho demais e higiene de menos, conta. O tempo passou, e a solução não veio. Sem opção, teve que procurar um novo lar. A causa de tanto inconveniente: o apartamento acima do seu, um imóvel disponível para locação por temporada. Nesse tipo de residência, o tempo no imóvel não pode ultrapassar os 90 dias, explica o advogado Sérgio Herrera. E, com o uso das plataformas on-line, como o Airbnb, a casa virou uma possibilidade de negócio. A questão é que não existe uma lei específica para essa modalidade de locação, que possa dar mais segurança ao locador, ao locatário e ao condomínio.

Apesar da adoção dos termos “anfitrião” e “hóspede” pelo aplicativo, a locação por temporada não encontra amparo na lei de hospedagem, e sim na de locações (8.245/1991), que não determina prazo mínimo para a permanência no imóvel, explica Sérgio, também membro da Comissão de Direito Urbanístico e Imobiliário da OAB RJ. Assim, o locador pode alugar o imóvel pelo tempo que preferir — um mês ou um dia — e com a frequência que lhe for mais conveniente. Por esse motivo, os profissionais do direito têm incorporado uma nomenclatura ainda mais específica em seu dia a dia: locação por curtíssima temporada. E, não por acaso, têm se deparado com mais condomínios em situações conflitantes.

A síndica Karine tem os casos mais diversos para compartilhar, desde objetos “voando” pela sacada até o esfaqueamento de um turista, que estava acompanhado para a estadia por uma noite. Sem hesitar, ela adianta: “Sou totalmente contra” o aluguel por aplicativo em prédios residenciais. Inclusive, a destinação do edifício é outro ponto de atrito, porque a Convenção deve determinar a finalidade das unidades condominiais, diz o Código Civil. Por outro lado, em julho, foi aprovada a redução do quórum necessário para alterar a destinação, que de unânime, foi para dois terços, lembra o advogado Sérgio Herrera. A própria lei tende a estimular o desacordo entre vizinhos, ressalta. E, apesar de reconhecer os problemas a que a rotatividade de pessoas pode expor o condomínio, vê a situação com um olhar menos severo: o entra e sai de pessoas já é uma realidade da qual não há como fugir.

É o caso, por exemplo, de entregadores de aplicativo, cuja circulação tem sido estimulada por outra questão pertinente aos condomínios, o home office. Atualmente, é a Convenção que permite o aluguel por temporada. Se não há menção, também não há proibição. Simpatizante da plataforma, Herrera destaca o direito de propriedade, que garante a possibilidade de dispor do espaço, e o “criterioso checklist da vida” que o Airbnb costuma exigir dos “anfitriões” e “hóspedes” como suporte para a decisão. Mas não abre mão da necessidade de regulação. Do outro lado, a síndica Karine lembra que a administração costuma enfrentar impasses nos processos judiciais justamente devido à tese do direito de propriedade, que protege os condôminos. Ao mencioná-los, ela cobra também uma postura mais ativa nas decisões comuns.

Além de poucos comparecerem nas reuniões de assembleia, é raro que estejam dispostos a gastar dinheiro com a Justiça, relata a síndica. Mesmo em situações dramáticas, eles preferem “esperar o vizinho chamar a polícia”, “aprendem a conviver com o problema”, mas não deixam de cobrar “a gente”. Para minimizar os riscos, o Airbnb recomenda que o anfitrião alerte os hóspedes acerca das regras de convivência e de uso dos espaços públicos antes de recebê-los, além de avisar aos vizinhos. Deve considerar, também, se aceitará reservas com crianças e animais.

Já para a segurança do hóspede, há quatro requisitos básicos da plataforma que o anfitrião deve atender: responder rapidamente às mensagens e dúvidas; aceitar os pedidos de reserva; evitar cancelamentos; e receber avaliações positivas. Dos 25 condomínios em que Karine trabalha, todos têm, pelo menos, um imóvel que aluga por curtíssima temporada. Ela admite que, se o serviço tende à expansão, também tende a “incomodar cada vez mais.”

Segundo Herrera, as alterações nos arranjos familiares durante o período de isolamento social ainda repercutem na vida em condomínio, o que justifica, em parte, a alta procura por aluguéis mais dinâmicos. Há, também, uma “demanda reprimida de afeto, de convivência”, que começa, agora, a ser superada. Sair, respirar e conhecer gente tem se mostrado, sobretudo, uma busca por saúde mental, afirma.

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