Só o coração de mãe salva

Os vizinhos de andar já não aguentavam mais! E logo o bloco estava desesperado. Não demorou para o condomínio todo reclamar. Ato seguido, os moradores dos prédios adjacentes se revoltaram! Os gritos das brigas entre mãe (idosa) e filha eram perturbadores, assim como o miado e o cheiro dos 18 felinos que também habitavam aquela unidade.

Tentou-se de tudo: conversas, mediações, cartinhas, abaixo-assinados, papo de elevador… nenhum artifício amigável era capaz de diminuir aquela triste situação. A gota d’água foi a agressão sofrida por uma condômina que tentou dar um ombro amigo para ajudar a resolver, mas levou um sonoro tapa na orelha, além de outro na esperança da comunidade! “Então chama um advogado” – determinou a assembleia.

As infratoras eram locatárias, o que nos motivou ir ao locador para forçar um despejo por infração legal (art. 23, X, L. 8.245/91). Fomos elegantemente ignorados. Não restavam alternativas, senão a busca pela exclusão das ocupantes enquadrando-as como condôminas antissociais.

Depois de muitas tentativas frustradas, a notificação foi enviada por cartório de títulos e documentos. Agora faltava o temido quórum de ¾ em assembleia, tarefa hercúlea, ainda mais se tratando de um condomínio grande, como no caso.

Uma verdadeira estratégia de guerra para catar procurações e motivar as pessoas a participarem da assembleia. Porta a porta, cartinha na caixa de correio, papel nos elevadores, conversa de piscina… valia tudo para convencer seus pares.

No dia e hora marcados, o “tribunal” estava montado. Ninguém compareceu para se defender. Por unanimidade dos presentes, tudo foi aprovado: a ratificação das multas já aplicadas e a exclusão das moradoras. Contudo, faltaram oito votos para o cumprimento do maledetto quórum legal!

Tecnicamente, tínhamos um empecilho jurídico para pedir a exclusão das habitantes, contudo, para a retirada dos seus bichos de estimação, não, uma vez que a lei não estabelece quórum legal para o afastamento de animais, só de pessoas. Essa era a chance. Assim foi pedido ao juiz que excluísse os pets do condomínio por uma insanável perturbação ao sossego e salubridade (art. 1.336, IV, CC). Alternativamente, requeremos ao magistrado que, caso considerasse um pedido de afastamento total muito duro, que mantivesse somente um número de bichanos suficiente para não causar o transtorno.

Em primeira instância, foi negado, e o recurso foi aceito pelo tribunal. Desembargadora disse que apenas dois gatos poderiam ficar no imóvel. Quem é mãe (de felídeo ou de humano) sabe que não se escolhe filho. Assim, no último dia do prazo, lá pelas tantas da madrugada, o apartamento foi desocupado, e a questão foi resolvida.

Passados alguns meses, o telefone toca e era um desesperado síndico (desculpe o pleonasmo) do condomínio para onde a família tinha ido, querendo uma solução para o calvário que os condôminos e vizinhos estavam vivendo. Mas isso é conversa para uma outra história.

Luis Arechavala é advogado, sócio fundador do escritório Arechavala Advogados. Membro de comissões da OAB/RJ e OAB Niterói/RJ, da Associação Brasileira de Advogados (ABA), do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim). Autor do livro ‘Condomínio Edilício e suas instituições’.

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