Stalkers: perseguição também é crime

Fenômeno dos stalkers se multiplica na sociedade e se faz presente também nos condomínios. Especialistas orientam como tratar de um tema tão delicado

 
Fábio Barletta

Quando a curiosidade ou afeição pode se tornar perigosa? Com qual incidência esse problema vem ocorrendo nos condomínios? Afinal, o que é stalkear? Como se defender disso? Quais providências tomar? O que diz a legislação a respeito? Quando e como os síndicos devem intervir? Primeiro de nossos entrevistados, Fábio Barletta descreve uma situação: “Você já se sentiu depreciado ou desvalorizado no exercício de sua sindicatura, sendo perseguido e estigmatizado por um ou um pequeno grupo de moradores cujo objetivo é, literalmente, lhe causar uma tortura psicológica, mediante acusações reiteradas, contumazes e desproporcionais, minimizando, assim, sua capacidade de ação, e anulando seu poder de autodeterminação? Então, chegou o momento de conversarmos sobre o crime de stalking”, dispara ele, advogado com mais de 20 anos de experiência na área condominial e sócio da Barletta&Oliveira Advogados Associados.

Autor dos livros ‘Gestão Condominial Eficiente’ e ‘Os segredos do Síndico de Sucesso’, ele explica a origem do termo. “Traduzido para o português, ‘to stalk’ significa perseguir, uma palavra constituída pelo verbo seguir antecedida do prefixo per, um prefixo de origem latina, que traduz a ideia de excesso. Verificamos aqui aquelas situações em que o agressor, chamado de stalker, passa a circundar o ambiente físico e psicológico da vítima, perpetrando uma série de atos que ultrapassam a esfera do desconforto, do incômodo, do inconveniente, adentrando no âmbito do perturbador, do assustador, fazendo com que a vítima se sinta acuada, vigiada, perseguida, sufocada, limitada em sua atividade pela reiterada importunação do stalker.”

Do ponto de vista legal, é através da repetição que aquilo que poderia inicialmente ser considerado um mero incômodo se transforma em um ato ilícito. E tais práticas podem se mostrar presentes em todos os âmbitos de nossas vidas. Em nosso trabalho (stalking funcional), em nossos relacionamentos amorosos (stalking afetivo), em nossa relação com pessoas que admiramos (stalking de idolatria), e claro, também se encontra presente nas relações condominiais.

“Acontece que, até março de 2021, essa figura era ‘desconhecida’ pelo nosso Direito Penal, e nós precisávamos buscar em outras legislações mecanismos para estancar tais práticas. Foi então que entrou em vigor a Lei nº 14.132, que introduziu no Código Penal o 147-A, sancionado com pena de reclusão, de seis meses a dois anos, e multa àquele que persegue alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”, revela Fábio, que segue em sua explanação.

“E aqui estamos diante de uma ação penal pública condicionada à representação. O que isso significa? Que o legitimado a agir é o Ministério Público. Porém, diferentemente de outros crimes como o homicídio, o roubo, o furto ou estelionato, ele só poderá atuar se houver uma prévia representação da vítima, ou seja, uma manifestação de vontade, autorizando a atuação estatal, que deverá ocorrer no prazo máximo de seis meses, sob pena de extinção da punibilidade. E o direito de representação não exige maiores formalidades, podendo ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do MP ou à autoridade policial”, explica

Nosso especialista alerta: vale ainda ressaltar que, em três situações, a pena ao agressor poderá ser aumentada pela metade, quais sejam: quando o crime for cometido contra criança, adolescente ou idoso; quando cometido mediante o concurso de dois ou mais pessoas ou contra mulher, por razões da condição de sexo feminino, ou seja, quando comprovado um viés misógino e preconceituoso caracterizado pelo menosprezo ou discriminação à condição da mulher, fundamentada em uma cultura patriarcal e machista, centrada na figura masculina e em sua superioridade de gênero. São situações, portanto, que alimentam a ideia da desvalorização e preconceito contra as mulheres.

Karina Nappi e Tania Goldkorn

Pandemia acelerou o stalking em 50%

CEO da Admix Services e formada em Comunicação Social, Karina Nappi também conversou com a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS a respeito do tema. “Após a pandemia de Covid-19, a incidência de casos de stalkers aumentou em 50%, pois as pessoas passaram a ficar mais tempo em suas unidades com o home office. A situação é caracterizada quando passam do limite entre as partes, ou seja, quando um condômino interfere nas áreas técnicas prejudicando os demais. Com relação à afeição ou ao oposto, o perigo é quando extrapola o profissional e inicia a perseguição pessoal. As vítimas devem juntar provas e acionar a Justiça”, afirma ela, síndica profissional desde 2011 e pós-graduada em Administração de Empresas. Ela, porém, faz um alerta. “A legislação hoje existe. Porém, não é de fácil aplicação, sendo mais viável o acionamento por difamação, injúria ou assédio.”

Tania Goldkorn é síndica profissional e CEO da Goldk Síndicos, empresa que nasceu há mais de uma década, com o intuito de promover a valorização patrimonial do condomínio e potencializar o bem-estar e conforto dos condôminos e de suas famílias. “O uso de redes sociais e WhatsApp, os grupos de moradores, as fofocas que se multiplicam e se espalham como pólvora podem causar problemas graves. E sempre há o perigo de a situação fugir ao controle. Aquela expressão do ‘ouvi dizer’, o boato infundado, a desconfiança sem provas na hora da prestação de contas… São fatos que poderiam simplesmente ser apurados numa auditoria, sem que isso causasse prejuízo à integridade e à imagem de uma pessoa. Essa postura traria mais calma e tranquilidade aos condomínios”, defende.

Ela aponta que a nova Lei nº 14.132 acrescenta ao Código Penal o crime de perseguição, ou stalking, cuja definição é “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. De forma complementar, Tania reproduz uma excelente definição de um famoso advogado, que diz: “Este condômino não difamou, não injuriou, não caluniou, mas está sempre atrás do síndico. Essa prática reiterada, ou seja, diversas vezes, constantemente, por diferentes meios, perturbando, importunando, cerceando a locomoção, a esfera de liberdade e privacidade de uma pessoa, é qualificada como perseguição ou stalking.”

“Mas, na prática, o entendimento dessa lei depende do juiz, e nem sempre isso será favorável a quem está realmente sendo constrangido ou caluniado repetidamente! Como se defender? Difícil diferenciar uma agressão verbal de uma discussão em assembleia, uma acusação repetida sempre na frente de moradores e fazendo subir a temperatura do ambiente… O ideal é ter sempre o aconselhamento de um advogado que tenha expertise em casos semelhantes. Porém, nada garante que haja sucesso para conseguir eliminar o problema”, lamenta nossa entrevistada, que se recorda de, ao menos, um caso concreto.

“Aconteceu num condomínio no qual, por cinco anos, uma conselheira foi capaz de colocar cartas debaixo das portas, sugerir desfalques, provocar nas assembleias, ligar para moradores contando histórias mirabolantes, e escrever nos livros textos intermináveis… Quando a lei entrou em vigor, a síndica que era alvo contratou um escritório para defendê-la das acusações e resgatar definitivamente a honra perante um pequeno grupo que apoiou a perseguição. Acreditem se quiser, mas a juíza deu ganho de causa a quem a perseguia, não viu problema algum e ignorou as provas”, descreve, para finalizar. “Num condomínio onde não há respeito pelo ser humano, todos são vítimas e, nessa hora, é fácil identificar quem perde e quem ganha. O patrimônio se deteriora porque o valor humano sempre faz a diferença na harmonia condominial. Paz nos condomínios! É o que deveria vir em primeiro lugar, sempre.”

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