Eleições para síndico exigem ética, transparência e legitimidade

Embora menos complexa do que as votações para cargos públicos, a escolha dos síndicos precisa observar uma série de regras, para o bem de toda a comunidade condominial

 
ROBERTO BIGLER

O ano de 2022 é eleitoral. Em breve, iremos todos às urnas. Nos pleitos formais, há uma série de regras que são observadas pela Justiça Eleitoral, especialmente no combate a práticas como fraudes nas votações, compra de votos, propaganda antecipada, fake news e má prestação de contas de campanha… Denúncias e punições, até com impugnações de candidaturas, e afastamento e perda do cargo de eleitos, são frequentes. E nas eleições para síndico? Elas são uma espécie de vale-tudo ou nelas também há regras a serem respeitadas? Quais são elas? Que legislação a regulamenta? Quais são os principais desrespeitos e irregularidades verificados? O que pode ser feito para que transcorram da forma mais ‘limpa’ possível?
“O sufrágio universal para a ocupação de cargos públicos, dado interesse público que está em jogo, é regido, dentre outros, por princípios como o da Democracia, do Federalismo, e da Lisura das Eleições, motivo pelo qual, inclusive, essa ‘festa da democracia’ está sob o guarda-chuva do Poder Judiciário. Já o ‘sufrágio condominial’, aqui denominado desta forma para fins meramente didáticos, não traz em seu bojo interesse público subjacente, o que, sem a intenção de menosprezá-lo, afasta a necessidade da incidência de normas de ordem pública para regulá-lo, deixando, em boa medida, o regramento do assunto para as partes diretamente interessadas. Por exemplo, através da convenção condominial”, inicia Roberto Bigler, advogado com atuação na área do Direito Imobiliário.

O entrevistado lembra que, no Código Civil, o assunto é tratado pelos artigos 1334, III, e 1335, III, onde o primeiro dispositivo remete à convenção “a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações”. O segundo, por sua vez, traz garantia aos condôminos de “votar nas deliberações da assembleia e delas participar”. A análise dos dispositivos acima citados permite concluir que o legislador, como já pontuado, permitiu e quis que os condôminos, através da convenção, estabelecessem regras específicas de acordo com o interesse daquela comunidade sobre como se dará o processo eleitoral para os cargos de síndico e outros porventura existentes, tais como subsíndicos e conselheiros.

Obviamente, este processo eleitoral previsto em uma convenção deve ser balizado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e, caso haja alguma inobservância nesse sentido, tais regras podem ser fulminadas por vícios capazes de gerar sua anulação. E há aquelas hipóteses em que a convenção não traz nenhuma previsão a respeito do modo como funcionará a eleição. Nesse cenário, é imperioso termos em mente que qualquer tipo de limitação à candidatura, como a exigência de chapa, obrigatoriedade de inscrição com antecedência, ou determinação de inelegibilidade em decorrência de reprovação de contas, sem que haja essa previsão na convenção, abrirá espaço para anulações. Ou para que a assembleia sequer possa deliberar, caso tais imposições não sejam revistas”, explica o advogado.

Roberto Bigler afirma que, na prática, toda e qualquer limitação deve estar prevista objetivamente nos instrumentos normativos do condomínio. Pensar diferente, diz ele, é admitir que o subjetivismo paire sobre a gestão, o que está em total desacordo com o exercício legítimo do direito de votar e ser votado. “Acreditamos que a norma mais importante que deve ser observada pelos condomínios, e que muitas vezes é negligenciada, é a obrigatoriedade de convocação de todos para a assembleia. Todo e qualquer condômino pode fazer o exercício dos seus direitos políticos, para sua campanha como síndico ou para o mero convencimento dos demais sobre temas que entende como relevantes. Os limites das suas ações serão regulados pelo artigo 187, também do Código Civil, que trata do abuso do direito, assim como eventual lesão à esfera jurídica de terceiros, como é o caso das fake news”, pontua.

VITOR PENNO

Imbróglio judicial pode gerar gastos

Advogado, mestre em Direito e procurador do município de Rio das Ostras, Vitor Penno também abordou o tema, atendendo ao convite da Revista dos Condomínios. “Assim como nas eleições gerais, as para escolha do corpo diretivo de um condomínio devem se submeter aos padrões éticos de conduta exigidos na vida em sociedade e no processo sufragista. Da mesma forma como o exercício da gestão pelo síndico não significa um salvo conduto para uma atuação despótica, o procedimento para escolha do ocupante do cargo deve atentar para os preceitos da transparência, legalidade, lealdade e boa-fé objetiva, sob pena, inclusive, de nulidade formal passível de contestação judicial, o que pode gerar gastos desnecessários ao condomínio”, alerta.

Sob o primeiro prisma, a transparência possui múltiplas vertentes: primeiro, ao exigir uma alta exposição no ato convocatório da assembleia geral ordinária de eleição, que deve ser amplamente divulgado para viabilizar a presença do maior número de condôminos aptos à votação. Segundo, com a designação de uma presidência para a assembleia que seja capaz de agir com lisura, imparcialidade e nitidez em suas determinações, explicando as regras cabíveis, com o auxílio da administradora e/ou assessoria jurídica contratada, se houver, e assegurando mecanismos que garantam igualdade de participação por aqueles interessados em se manifestar, dentro dos temas propostos pelo instrumento convocatório. E, por fim, com a exata aferição dos votos e divulgação verbal e escrita do resultado.

“Evidentemente, nada terá validade se não for respeitada a legalidade dos procedimentos, determinada nas leis específicas aplicáveis, como Código Civil, Lei nº 4.591/64 e Lei nº 8.245/91, entre outras. E o disposto na convenção condominial e nos regimentos internos, em especial os relacionados às formalidades da eleição e à capacidade para concorrer aos cargos em disputa, assegurando o caráter democrático do pleito. A constatação de desvios graves de conduta, como fraude nas votações, compra de votos, campanha antecipada e fake news, é violação dolosa de legalidade, redundando na nulidade dos atos, que se tornam contaminados pelas ações ilícitas dos agentes”, resume Vitor Penno, que propõe aos leitores mais uma importante reflexão.

“Para se consolidar uma eleição alvissareira, não basta que ela seja legal. É preciso que seja legítima, com a tomada de todas as providências necessárias para assegurar a boa-fé objetiva e o cumprimento do dever de lealdade na direção do processo eletivo e na relação entre os participantes. Em razão disso, amizades ou conflitos pessoais devem ficar fora do recinto, sendo a impessoalidade um impositivo de validade jurídica da assembleia geral e, consequentemente, da eleição. Somente assim se poderá certificar que o exercício dos poderes de direção do síndico estará revestido da legitimidade democrática exigida não apenas pelo ordenamento jurídico, mas também por uma sociedade que busca caminhar em uma direção mais justa e ética”.

DIOGO PEREIRA

Transparência e legitimidade

Sócio da André Viz Advogados e Associados, especialista em Direito Corporativo pelo IBMEC e presidente da Comissão de Direito Constitucional da Associação Brasileira de Advogados (ABA-RJ), Diogo Pereira segue a mesma linha. “As eleições para síndico de um condomínio nada mais são do que processos de escolha do administrador da propriedade comum. Esse processo, tal qual as eleições para os mandatos políticos, precisa ser regular, probo e transparente. Nas eleições para síndicos, geralmente os proprietários das unidades elegem um representante, cuja responsabilidade é gerir a propriedade comum, além de organizar e pacificar as relações entre os moradores e proprietários. Embora a eleição para síndico seja o exercício de um direito decorrente da propriedade privada, o procedimento possui regras específicas que precisam ser observadas”.

Segundo nosso especialista, as principiais regras previstas na legislação ordinária para eleição do síndico são prazo do mandato do síndico e do conselho fiscal não superior a dois anos; eleição por maioria simples dos presentes na assembleia, salvo disposição contrária da convenção; possibilidade de reeleição; e proibição do condômino inadimplente de votar. As convenções também podem conter outras regras para eleição de síndico, além daquelas previstas no Código Civil, desde que não contrariem dispositivo expresso na legislação federal.

“As principais irregularidades verificadas na jurisprudência se referem a vícios na convocação de assembleia, desrespeito ao quórum previsto na legislação e na convenção, irregularidade nas procurações e na recusa de procurações, colheita de voto de condômino inadimplente, omissão de informações relevantes na ata de assembleia. Uma questão que também causa dificuldade é quando ocorre o empate e a convenção não estipula regras para o desempate. Geralmente, esses casos acabam por ser judicializados, cabendo ao juiz decidir os critérios de desempate. Nos casos de empate e judicialização é comum a utilização da fração ideal como peso em cada voto”, conta Diogo Pereira.

A gestão cada vez mais profissionalizada dos condomínios deve mitigar os problemas e dificuldades decorrentes da falta de regras específicas na legislação e nas convenções condominiais, que podem dispor de regras adicionais que tornem o processo cada vez mais regular. Para tanto, é possível utilizar a legislação eleitoral como referência. Os critérios de eleição de síndico que preveem, por exemplo, necessidade de ‘ficha limpa’ e a cassação de candidatura por utilização de fake news, podem ser importantes ferramentas para a eleição de um gestor com perfil adequado para o condomínio. Entretanto, é necessário preservar o direito de defesa do condômino acusado, para não atrair nulidade ao processo. “É salutar o engajamento dos condôminos na eleição de síndico pois, como já dissemos, uma eleição bem-sucedida é aquela que garante a plena representatividade aos eleitos”, finaliza Diogo.

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