Funcionários no lugar certo

Caso que envolveu porteiro traz debate sobre colaboradores que deixam seus postos em situações extraordinárias

 
Stephanie Campos
André Torreão

Em março desde ano, na cidade de Marília (SP), um porteiro realizou uma ação inusitada para quem ganha a vida permitindo que pessoas entrem e saiam do condomínio. Contudo, para quem conhece Juliano Amaro da Silva Paula, de 44 anos, o que ele fez não foi surpresa.

Durante o expediente, um acidente de carro ocorreu bem em frente ao prédio que trabalhava, e, com sua experiência como socorrista, deixou a guarita para prestar os primeiros-socorros, tendo papel fundamental para manter a pessoa viva enquanto a ambulância estava a caminho. Foi uma ação nobre, e os familiares da vítima possuem uma gratidão enorme para com Juliano. Porém, seu ato de heroísmo não foi visto com bons olhos pela empresa que o contratou, por ter abandonado o posto de serviço.

Sobre o tema, falamos com Stephanie Campos, especialista em Direito Processual Civil e do Trabalho e delegada da OAB-Niterói – Comissão de Direito do Trabalho, e com André Torreão, pós-graduado em Direito Empresarial e especialista em Direito do Trabalho.

A repercussão do caso mostra como a opinião pública ficou ao lado do porteiro, mas Stephanie disse que, por não ter sido aplicada “justa causa” na demissão, ela não foi ilegal, sendo necessário, contudo, comprovar as ações que resultaram no ocorrido de acordo com o que está estabelecido no regulamento interno.

Por sua vez, André identificou falta de sensibilidade por parte do Grupo IF3 (contratante) ao realizar a dispensa, e que “deveria ter pesado melhor os bens presentes no caso, quais sejam: a vida da vítima e o posto de trabalho do porteiro”, completou. E o síndico? Ele poderia ter apoiado Juliano de alguma forma? Sim, como disse o especialista, mas como o porteiro, na verdade, era funcionário do grupo acima citado, o apelo feito pelo gestor entraria apenas como algo informal.

Segundo a IF3, Juliano não poderia ter deixado a guarita de forma alguma, sendo esse o motivo para a sua demissão. Contudo, vale ressaltar que a empresa fez isso porque o porteiro tornou o caso público ao falar que foi mandado embora por ter salvado vidas. Mas, afinal, o que se pode tirar dessa situação?

Ao expor sua ex-empregadora e o próprio condomínio, o funcionário gerou direito de resposta, e a empresa, ao entender que estava tendo sua imagem manchada, veio a público com uma nota, informando que esse não havia sido o único problema que Juliano causou nos nove meses em que trabalhou naquele edifício, inclusive alegando que havia recebido “diversas denúncias por condutas impróprias”. Por isso, pode-se deduzir que esse “suposto erro” foi o estopim. Mas, afinal, o que podem ser essas condutas impróprias? Os especialistas falaram das obrigações diárias do porteiro que poderiam acarretar as quebras de protocolo.

Stephanie começa com a mais evidente, que é a de permitir a entrada e saída de pessoas através da portaria, o cuidado que é necessário com as correspondências, podendo, inclusive, se dirigir para fora do prédio para receber pacotes, prestar atenção na assinatura desses recebidos, se certificar que o condômino que escreveu no livro de ocorrências e deixou sua assinatura correta, entre outras atribuições. André ainda aponta que todos os deveres e as proibições são de sabedoria do contratado. “De toda sorte, pode-se dizer que as condutas esperadas de qualquer porteiro, além das condutas básicas inerentes à função como atender moradores, abrir portas, receber encomendas, controlar entrada e saída de pessoas etc. e aquelas proibidas por qualquer empregado pelo art. 482 da CLT, devem, como já dito acima, estar descritas em um manual ou termo de conduta por escrito e devidamente assinado pelo empregado.”

Eles ainda alertam que isso não passou de um caso isolado no que diz respeito ao fato de o porteiro ter capacidade de prestar os primeiros-socorros à vítima, e que os condomínios não devem apostar nesse tipo de treinamento. André esclarece que esse fator deve ser levado em consideração caso já exista, previamente, a descrição no contrato trabalhista, e a remuneração seja feita de acordo.

Juliano afirmou que não foi notificado de nenhuma quebra desses deveres citados, o que causa estranheza, porque, como os especialistas afirmam, o desligamento foi “imotivado”. Caso que seria totalmente diferente se fosse considerada justa causa. O que pode acontecer, todavia, é que este busque a Justiça.

“Errou a empresa ao divulgar informações que possam ter desabonado a conduta do porteiro, atraindo para si um risco desnecessário de eventual indenização por danos morais. Se a empresa ou qualquer outro empregador não está satisfeito com seu empregado, tal insatisfação não lhe assegura o direito de aplicar justa causa, basta dispensar imotivadamente o funcionário e pagar as verbas rescisórias devidas”, finaliza André.

Link