Bandidos acima de qualquer suspeita

Especialistas em segurança dão o alerta: para ingressar nos condomínios, quadrilhas investem cada vez mais em disfarces e apostam na boa aparência

 
DELEGADO JOSÉ PAULO PIRES

O programa Fantástico, da TV Globo, exibiu, recentemente, com grande repercussão, reportagem sobre a prisão, em Vitória (ES), de uma jovem paraguaia membro de quadrilha que assalta condomínios, sempre com uso de disfarces. São jovens, bem-vestidos, de ‘boa aparência’, quase sempre fingindo retorno de academia de ginástica. O grupo criminoso invade apartamentos e até agride idosos, roubando principalmente dinheiro e joias, e já somava atuação em oito estados. A partir dessa realidade, que se espalha e repete por todo o Brasil, a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS buscou especialistas que nos atualizam, em forma de alerta, sobre os principais disfarces ou procedimentos utilizados por bandidos nessas abordagens e tentativas de ingresso nos condomínios. Quais os golpes da moda? Quais cuidados e precauções devem ser redobrados na atualidade?

O delegado da Divisão de Capturas e Polícia Interestadual – POLINTER, José Paulo Pires, inicia sua entrevista com um relato. Numa manhã ensolarada, do inverno, seu Jorge estava sentado na sua cadeira, na portaria do prédio no qual trabalhava como porteiro. O condomínio era de alto padrão. Distraído, seu Jorge acompanhava as redes sociais no seu telefone celular, quando ouviu o interfone tocar. Levantou a cabeça e viu duas adolescentes no portão principal. As adolescentes eram magras e vestiam saias que mostravam suas torneadas pernas. Pela aparência delas, Jorge não teve dúvidas e pensou: “São boas pessoas.”

Ele, então, atendeu o interfone e perguntou o que queriam. Responderam que foram contratadas por um dos moradores para fazerem faxina. Seu Jorge ligou para o apartamento, mas não havia ninguém lá. As “meninas” disseram que estavam com as chaves do apartamento e iriam levar uma bronca se não fizessem o serviço. Comovido com os argumentos das duas e convencido diante do ar de inocência das delicadas garotas, o porteiro permitiu a entrada de ambas. No dia seguinte, retornando de uma viagem, o morador do apartamento entrou na sua residência, cuja porta estava apenas encostada. Em total desalinho, deparou-se com gavetas abertas, roupas espalhadas e joias e dinheiro subtraídos. O prejuízo foi enorme.

A história contada acima é real. Na realidade, as duas adolescentes faziam parte de uma quadrilha que praticava roubos e furtos em condomínios nas cidades de Niterói e do Rio de Janeiro. As duas adolescentes foram apreendidas meses depois num resort na Região Nordeste. “As aparências enganam. E enganam mesmo. Com efeito, numa análise superficial, constata-se facilmente que a maioria dos crimes praticados em condomínios, excluindo os casos de violência doméstica e lesão corporal entre moradores, não é praticada com violência ou grave ameaça. São furtos, ou seja, subtração de coisa alheia móvel sem violência ou grave ameaça. Os criminosos entram nos prédios pela porta principal. Mas como? Os porteiros, na maioria das vezes sem treinamento, permitem a entrada dos marginais. Raramente um porteiro está envolvido no crime”, conta o delegado.

Criminosos e criminosas, travestidos de corretores, de faxineiras, de funcionários de concessionárias de serviços públicos, de entregadores de alimentos e mercadorias, dentre outras formas, fazem os porteiros liberarem o acesso ao condomínio não com armas, mas com o poder do convencimento, com a lábia. Algumas criminosas usam roupas curtas e/ou decotadas. Outros marginais fingem que conhecem um dos moradores e pedem para falar com o Zé ou Dona Maria – nomes comuns, que se fazem presentes entre os moradores de quase todos os prédios. Fingem também que foram vítimas de crimes ou que estão com problemas de saúde.

“Nas dezenas de cursos que ministramos sobre segurança condominial, restou claro que um dos principais problemas na segurança dos condomínios é o despreparo do profissional de portaria. Outro problema identificado é a falta de um plano de segurança condominial. Na realidade, muitos síndicos entendem que existem outras prioridades no condomínio que administra. Curso de segurança condominial e plano de segurança devem ficar para depois, pensam eles, infelizmente. Além disso, não, no Rio de Janeiro, muitos profissionais que ministrem essa singular matéria de segurança condominial. A experiência policial mostra claramente que os prejuízos financeiros causados por furtadores de condomínios são enormes”, aponta José Paulo Pires.

MAJOR ABRAHÃO CLÍMACO

Treinamento e até escolha dos móveis

O major Abrahão Clímaco, coordenador da Operação Segurança Presente em Niterói, soma 19 anos de profissão e lida diariamente com a questão. “O principal meio que marginais utilizam para entrar no condomínio com segurança é apostar na boa vestimenta, se passar por parentes ou moradores, ou mesmo funcionários públicos, como agentes de saúde e até policiais em cumprimento de mandados de prisão ou de busca. Quando o porteiro ou vigilante não tem a qualificação correta, acaba por liberar a entrada. Os bandidos entram armados e rendem funcionários e moradores, para prática de furtos e roubos”, descreve.

A solução, segundo o especialista, é investir na qualificação profissional de todos os funcionários – da portaria, vigilância e até da limpeza. Há cursos privados ou oferecidos pelas próprias estruturas de Segurança Pública. “Os síndicos precisam investir em segurança condominial, com câmeras e portas com diferentes níveis de acesso. Quando não há portaria, os moradores precisam redobrar a atenção quando da entrada e saída do prédio, observar se há pessoas ou carros suspeitos à espreita. E, nessas situações, passar direto e, se possível, alertar a polícia.”

Outro fator importante, aponta o major Clímaco: no local onde os vigilantes ou porteiros trabalham, evitar colocar objetos que possam tirar a atenção desses profissionais, como televisor e computador com internet. Até mesmo a escolha de cadeiras muito confortáveis pode jogar contra a segurança condominial, pois induzem os vigilantes noturnos ao relaxamento e, em consequência, ao sono.

ROBERTO MARTINEZ

Responsabilidade deve ser de todos

Gerente comercial, consultor especialista em segurança privada e tecnologia, com ênfase em condomínios residenciais, corporativos, indústrias e centros de distribuição, Roberto Martinez é reconhecido no mercado de segurança privada, uma vez que ministra inúmeras palestras e faz parte do Grupo Haganá Segurança, Facilities e Tecnologia. Com mais de dez anos de experiência, já conquistou várias certificações, de segurança para hotelaria, gestão de segurança privada patrimonial, sistemas de segurança, tecnologia e segurança pessoal.

“A falta de gestão, treinamento, aplicação dos procedimentos, atenção e de conhecimentos das tecnologias de última geração – como biometria e reconhecimento facial – abre brechas para episódios como o descrito na matéria do programa da TV Globo. Os recursos da tecnologia vêm auxiliar e muito os profissionais dos condomínios, desde que capacitados nos controles de acesso. Em muitas ocasiões, os meliantes que acessaram de forma tranquila o condomínio saem com os produtos furtados, dando tchau para o porteiro. E este ainda agradece a gentileza da saudação, com um ‘obrigado e volte sempre’”, relata.

Quase sempre, os condomínios que passam por uma experiência dessas são unidades de alto padrão, ou seja, onde há grandes chances de ser ter uma ação bem-sucedida no que tange a valores de furto. A grande maioria dos alvos é escolhida minuciosamente, após observação e estudos sobre fragilidades na limitação de acesso. Os bandidos se aproveitam da distração recorrente justamente daqueles que devem estar sempre muito atentos, e cometem a ação delitiva.

“Gostaria aqui de provocar os leitores da REVISTA DOS CONDOMÍNIOS: será que a culpa é só do porteiro? A culpa é só da gestão do condomínio? Só do morador? Pois bem, na realidade são vários os fatores que contribuem para que o delinquente tenha êxito na sua prática criminosa. Por isso, é preciso observar a fiscalização constante praticada nos porteiros por parte da gestão do condomínio, para verificar se estão atentos, se praticam os devidos procedimentos, se à noite adotam a postura profissional, fazem o uso adequado das tecnologias existentes no condomínio… E ainda perguntar: qual o treinamento passado aos porteiros, e quantas vezes ao ano é realizada a reciclagem desses processos”, enumera, para prosseguir.

“Além disso, observem quais as palestras que os moradores recebem sobre a segurança do condomínio: Afinal, sabemos que, em muitas ocasiões, quem coloca o condomínio em risco é o próprio morador… Quais orientações que são passadas aos funcionários? Sabiam que terceirizar o serviço, colocando profissionais preparados, com supervisão frequente e testes operacionais, sai bem mais barato que treinar os funcionários orgânicos?”

Roberto Martinez lembra que existem outras formas de invasão aos condomínios, como aconteceu com Carlinhos Maia, conhecido influencer das mídias digitais. Os bandidos pularam a cerca, entraram em seu apartamento, na orla de Maceió/AL, e furtaram objetos de muito valor, felizmente já recuperados. “A solução tomada pelo condomínio foi de colocar uma cerca farpada, que é muito fácil de burlar, e ainda deixa um aspecto feio na construção. Para aprimorar a segurança, existem recursos de tecnologia de ponta, sistemas de vigilância com inteligência que, para pleno funcionamento, faço questão de reforçar, exigem treinamento”, conclui.

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