Administradoras e advogados têm seus papéis no mercado condominial

Decisões judiciais recentes reacendem o debate sobre os limites da atuação desses dois profissionais. Especialistas recomendam a harmonização

 
Arnon Velmovistky
Marcelo Borges
Rubens Carmo Elias Filho

Em abril último, a juíza Milena Souza de Almeida Pires, da 11ª Vara Federal Cível de Salvador, atendeu parcialmente pedido liminar em ação civil pública ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), e determinou que nove administradoras de condomínios do estado deixassem de oferecer e prestar aos seus clientes atividades de consultoria e assessoria jurídicas, porque elas são privativas dos advogados. Além disso, elas foram obrigadas a suspender imediatamente a captação de clientes de serviços reservados à advocacia com base em seus serviços de administração de condomínios, sob pena de multa. Mas qual o impacto dessa decisão, cujo teor não é exatamente inédito, uma vez que há sentenças anteriores semelhantes, como a proferida pela 5ª Vara Federal Cível do DF, em setembro de 2020? O veto defendido por ambas conta com real fundamentação jurídica?

Advogado, presidente da Comissão de Direito Imobiliário do IAB, conselheiro da OAB-RJ e sócio da Velmovitsky Advogados Associados, Arnon Velmovitsky lembra que o artigo 1º da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, estabelece as atividades privativas de advocacia, destacando-se a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais. “Não resta qualquer dúvida, portanto, que somente o advogado está apto a postular em juízo, prestar consultoria jurídica, formular parecer e realizar as atividades correspondentes. E não foi por outro motivo que, em maio de 2021, a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi) e o Secovi, com o propósito de esclarecer as suas associadas, divulgaram o comunicado ‘A Assessoria Jurídica na Administração de Imóveis e Condomínios’, no qual são abordadas questões envolvendo o tema, esclarecendo que, de fato, as administradoras não podem divulgar ou oferecer serviços jurídicos”, inicia.

Apesar de considerar a questão bastante óbvia, na medida em que as administradoras não possuem habilitação para exercer as atividades privativas dos advogados, nosso especialista lembra que, na verdade, as administradoras prestam serviços aos condomínios e, no dia a dia, surgem dúvidas técnicas que precisam de respostas rápidas. As mais simples, de natureza técnica, podem e devem ser respondidas pelos prepostos das administradoras, especialmente no que diz respeito ao pagamento dos funcionários, cálculo de horas extras, período máximo de trabalho, descanso, assuntos intrínsecos a confecção dos recibos de pagamentos dos salários e encargos trabalhistas. “Conclui-se, portanto, que há um consenso entre os operadores de Direito quanto aos limites dessa atuação das administradoras. Mas, por lei, é vedada a oferta ou contratação de serviços jurídicos.”

Diretor da ML Administração de Imóveis e de condomínios e locações da Abadi, Marcelo Borges também foi procurado pela REVISTA DOS CONDOMÍNIOS. “Importante termos um entendimento bem alinhado sobre os papéis e competências de cada atividade. Uma administradora de condomínios possui atribuições dentro do seu objeto social, exercendo funções de administração, assessoria, intermediação e tudo o que for necessário para dar cumprimento às obrigações constantes no contrato de prestação de serviço, sobretudo como organização auxiliar para o desempenho das funções administrativas do síndico e demais integrantes da administração condominial.”

Segundo ele, estão incluídas nessas obrigações prestar auxílio e assessoria nos problemas e demandas do cotidiano de um condomínio edilício, dado o seu caráter multidisciplinar. “Portanto, entendo ser absolutamente possível que um colaborador da administradora dê orientações baseadas em fontes legais ou convencionais para o seu cliente, cumprindo o seu dever de prestar o mínimo de auxílio para as questões múltiplas e complexas cotidianas, muitas delas tendo como base de resolução normas jurídicas dispostas nas legislações pertinentes. Tal tarefa, a meu ver, em nada viola a reserva da atividade de advogados”, defende.

Contudo, Marcelo Borges afirma que não classifica como correta a oferta de serviços jurídicos por parte da administradora em procedimentos que sejam privativos do advogado, principalmente quando há cobrança específica para tal. Exercer, por exemplo, a cobrança extrajudicial em face de unidades em atraso com o pagamento de honorários é matéria privativa de um advogado, não sendo permitido à administradora praticar tal ato. “Assim, é importante termos uma moderação nessa análise, uma modulação clara na definição dos papéis, pois sempre houve harmonia entre uma administradora e os diversos escritórios que prestam serviços aos condomínios edilícios, sendo missão de cada um desempenhar suas funções segundo a natureza das respectivas atividades”, avalia.

Rubens Carmo Elias Filho é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com mestrado e doutorado em Direito pela PUC- -SP. “As administradoras, para que tenham eficiência, profissionalismo e excelência, têm entre seus colaboradores a mais diversa gama de profissionais, como advogados, corretores de imóveis, contadores, administradores de empresas, engenheiros, técnicos em edificações, pessoas de comunicação e marketing… Todos dedicados ao pleno exercício da sua atividade-fim. A existência dessa variedade de profissionais atuando para aperfeiçoar o plexo multidisciplinar da gestão imobiliária não implica exercício ilegal de nenhuma dessas profissões, muitas delas regulamentadas”, pontua ele, também professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Nilton Lins.

Porém, por todo o país, administradoras de imóveis e condomínios têm sido acusadas de exercerem atividade exclusiva da advocacia, o que constituiria exercício irregular de profissão, atingindo a honra e a reputação de seus sócios, muitas vezes advogados, inclusive. “Não se desconhece que algumas administradoras, em certas oportunidades, inadvertidamente, ofertaram serviços de assessoria jurídica e cobrança judicial de cotas condominiais, o que exige a correção de procedimentos e adequado esclarecimento. A administradora, por si própria, não pode exercer essas atividades, mesmo que seus sócios sejam advogados ou mantenham em seus quadros advogados contratados”, afirma Rubens Carmo, cuja experiência é especialmente voltada para o Direito Civil, nos temas Direito Imobiliário, condomínio edilício, despesas de condomínio e locação predial.

Para finalizar, ele faz algumas ponderações. “Acontece que o exercício da Administração de Imóveis e Condomínios exige conhecimento das leis, o que se espera de qualquer administrador ou empresário, em nada se confundindo com a atribuição exclusiva da advocacia contemplada no artigo 1º da Lei 8.906/94. Assim, uma administradora de condomínios não está exercendo atividade jurídica quando orienta a forma de recolhimento de um tributo, esclarece sobre um tema relacionado ao Direito do Trabalho, contribui na elaboração de um contrato de trabalho ou mesmo de prestação de serviços de terceirização de mão de obra, por exemplo”, diz ele, que prossegue em sua análise, sempre guiada pelo bom senso.

“Exigir que todo e qualquer contrato a ser firmado tenha a participação de um advogado na sua elaboração implicaria violação à livre iniciativa, princípio constitucional (art. 170, da Constituição Federal). Por outro lado, a administradora não deve e nem pode realizar a cobrança judicial de condôminos ou locatários, promover ações de despejo ou defender o locador ou condomínios em ações judiciais. Para tanto, o condomínio ou o locador deverá contratar advogados de sua confiança”, alerta Rubens Carmo, reestabelecendo os limites do campo em que cada jogador dessa disputada partida deve atuar.

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