Caminho para resolver a inadimplência passa primeiro pela cobrança administrativa

Síndicos não podem proibir devedores de usar as áreas comuns do condomínio e não podem negociar descontos para facilitar o pagamento

 
LUMENA FERREIRA

Na última edição da REVISTA DOS CONDOMÍNIOS, publicamos um grande diagnóstico da situação da inadimplência da taxa condominial, uma das principais preocupações de síndicos e gestores por todo o país. Como esse assunto gera grande repercussão e é de extrema relevância para toda a comunidade condominial, voltamos ao assunto trazendo o olhar de mais uma especialista no tema, a advogada Lumena Ferreira, que é atuante na área do Direito Condominial.

Para dar uma noção do tamanho do problema, vamos lembrar alguns números divulgados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: ações na Justiça por inadimplência em condomínios aumentam 12% em São Paulo; no total, a falta de pagamento da taxa de condomínio resultou em 4.759 ações apenas em 2022. Esse aumento corresponde aos primeiros seis meses desse ano em comparação com o mesmo período de 2021. “A inadimplência condominial é um dos maiores transtornos que os condomínios enfrentam, e que se intensificou na pandemia da Covid-19, como comprovam as estatísticas. Assim, diante dessa circunstância, o síndico deve atuar rapidamente, adotando os mecanismos necessários para solucionar a inadimplência, devendo contar com o auxílio de um advogado especializado para atuar na cobrança extrajudicial e judicial”, avalia ela.

Questionada se o caminho para o síndico resolver a questão é o ajuizamento de uma ação, ela avalia que depende de cada caso. “Entendo que o procedimento de cobrança dos inadimplentes de cotas condominiais deve ser dividido em duas etapas. Na primeira, o escritório especializado deve realizar a cobrança administrativa por meio de ligações telefônicas, envio de notificações extrajudiciais; SMS e e-mail, e contar com um sistema de cobrança para tais atividades. Em muitos casos, o escritório consegue recuperar a inadimplência nessa etapa. Contudo, não obtendo êxito, devemos entrar na segunda etapa da cobrança: a judicial. Nela, deverá ser providenciado ajuizamento da ação judicial competente, que, a depender da análise da documentação realizada pelo advogado, será uma ação de cobrança ou execução de cotas condominiais”, explica, acrescentando que o prazo limite para isso é de cinco anos, em função da prescrição, a partir da data do vencimento da taxa.

Lumena reforça a importância de o síndico ser transparente na sua comunicação com os condôminos. “A situação financeira do condomínio deve ser comunicada aos condomínios em assembleia. Caso as contribuições condominiais pagas pelos condôminos não sejam suficientes para quitar as despesas, deverá ser colocada em votação a instituição de cota extra, para que seja possível honrar com os compromissos e manutenções do prédio.”

Para ela, não se pode proibir o devedor de utilizar as áreas comuns de lazer do condomínio, como salão de festas, churrasqueira, piscina etc, como alguns casos já noticiados. “O direito do condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas, não decorre da situação de adimplência das cotas condominiais, mas sim do fato de que, pela lei (§3º art. 1.331 do CC/02), cabe a cada unidade imobiliária, como parte inseparável, uma fração ideal no solo e nas outras partes comuns. Portanto, aquele que se investe na condição de condômino deve ter assegurado o direito de uso das áreas comuns, seja de lazer ou não, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores. Assim sendo, o condômino que for impedido de utilizar a área comum do prédio poderá demandar uma ação indenizatória contra o condomínio, requerendo danos morais”, alerta.

Outra dúvida muito comum de síndicos e gestores diante do aumento da inadimplência é se vale a pena conceder descontos ao devedor para que ele quite ou comece a pagar o débito, de forma a aliviar as contas. “O síndico não tem autonomia para conceder descontos, seja ele total ou parcial, sobre as correções legais tais como multa, juros, correção monetária e honorários. Tal impedimento decorre de lei na medida em que o Código Civil, em seu artigo 1.348, estipula de forma exemplificativa as competências do síndico, dentre elas a de cobrar as contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas aos condôminos. Desta forma, o síndico que conceder descontos ao devedor cometerá irregularidade, causando prejuízos de ordem financeira para o condomínio, além de desprestigiar o bom pagador e estimular a recalcitrância do devedor. Como consequência, o síndico poderá ser compelido por qualquer condômino a restituir ao condomínio o valor dado em desconto, podendo inclusive ser destituído por tal ato”, conclui.

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