Administradoras não podem ofertar ou realizar serviços jurídicos

Devido à grande repercussão, voltamos ao assunto sobre o veto que a Justiça deu a algumas administradoras de condomínios pela ilicitude de oferecer e realizar serviços advocatícios

 
VALZIRA SOUZA

Em função da importância do assunto e tendo em vista a forte repercussão da primeira matéria publicada na edição passada, a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS, dá sequência de desdobramentos sobre a proibição imposta pela Justiça às administradoras de condomínios de comercializaram serviços jurídicos. Vale lembrar que em abril deste ano, da Justiça da Bahia atendeu parcialmente pedido liminar em ação civil pública ajuizada pela OAB-BA, e determinou que nove administradoras de condomínios do estado deixassem de oferecer e prestar aos seus clientes atividades de consultoria e assessoria jurídicas, porque elas são privativas dos advogados. Além disso, elas foram obrigadas a suspender imediatamente a captação de clientes de serviços reservados à advocacia com base em seus serviços de administração de condomínios, sob pena de multa.

Valzira Souza, advogada especialista em Direito Civil, Direito e Gestão Condominial, pós-graduanda em LGPD e com formação em mediação judicial pelo TJDFT reconhece que essa prática é lesiva e vem sendo identificada em todo o país, especialmente em administradoras de condo mínios que ofertam serviços jurídicos em sites de internet, páginas de redes sociais como Instagram e Facebook, mas ela alerta para a não generalização, pois existem administradoras que agem dentro da legalidade e não podem ter a imagem maculada indevidamente. “A administração de um condomínio é um ato personalíssimo do síndico, todavia, o art. 1.358 do Código Civil permite que este transfira a outrem, total ou parcialmente, as funções administrativas, mediante aprovação da assembleia, desde que não haja proibição na convenção. Isto posto, cabe a administradora exercer as atividades inerentes a administração condominial, como por exemplo o recolhimento dos impostos, a emissão da folha de pagamento, do contracheque e do crédito do salário líquido dos empregados, emissão de boletos, elaboração dos balancetes, fechamento das pastas, prestar auxílio na elaboração da previsão orçamentária, prestação de contas, comunicados internos, providenciar os registros das atas das assembleias, entre outras”, exemplifica.

Ela explica também que a Bahia não é um caso isolado. “A OAB através da sua Seção no Distrito Federal e em diversos estados como o Espírito Santo e São Paulo já havia ajuizado Ações Civis Públicas fundamentadas em provas que efetivamente comprovam essa prática ilícita e obtiveram êxito. Ressalte- -se que em todas essas ações o Ministério Público apresentou manifestação considerando que a conduta das empresas rés é contrária a Lei e deve ser coibida. No tocante ao Estado da Bahia recentemente foi concedida liminar pelo Juízo da 11ª Vara Federal Cível obrigando algumas administradoras de pequeno porte a excluir da internet ou de qualquer outro meio de divulgação a oferta de serviços jurídicos, a suspensão imediata de atividades privativas da advocacia, bem como a captação de clientes com base nesses serviços, sob pena de pagamento de multa diária. A repercussão é desfavorável para essas empresas na medida em que, diante de um mercado altamente competitivo, elas acabam tendo a imagem vinculada a uma atuação irregular”, protesta.

A fundamentação jurídica para a decisão da Justiça baiana encontra amparo na Constituição Federal que assegura no Art. 5º, XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Já o Art. 170 parágrafo único dispõe que “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. A advocacia é uma dessas exceções de limitação da profissão por determinação de lei. Para Valzira, o exercício da advocacia sujeita-se às prerrogativas e as exigências estabelecidas na Lei 8.906 de 1994 que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, como atividades privativas da advocacia o ajuizamento de ações a consultoria, assessoria e direção jurídicas. “Desse modo, a assessoria ou consultoria jurídica, a elaboração de parecer jurídico, notificações e as notificações extrajudiciais que exijam análise jurídica somente podem ser exercidas por advogados regularmente inscritos na OAB, ou por sociedades de advogados de fins jurídicos, regularmente aprovadas e registradas. Além disso, devemos levar em consideração o Art. 4º que considera nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa que não esteja devidamente inscrita na OAB, sujeitando-se as sanções civis, penais e administrativa”, alerta.

O crescimento da importância da atuação de um advogado especializado em questões condominiais também vem chamando a atenção do mercado. Assim, de acordo com a especialista, para quem advoga na área condominial é essencial estar preparado para as mais diversas demandas que possam surgir na área Civil, do Consumidor, Imobiliário, Trabalhista, Tributário, Penal, Ambiental, Normas da ABNT e as leis correlatas ao dia a dia dos condomínios. O profissional pode também se especializar em Mediação e Arbitragem direcionada para condomínios, Lei Geral de Proteção de Dados e até mesmo em Compliance Condominial que é uma matéria que poucos advogados detêm conhecimento e experiência. Ademais, é fundamental o conhecimento de gestão condominial, matéria que não é ensinada na graduação em Direito. Advogar para condomínios requer o desenvolvimento de habilidades para lidar com os diversos tipos de situações que envolvem conflitos, inclusão social, violência doméstica, participações em assembleias muitas vezes conturbadas entre outras. A administração de imóveis, igualmente, não pode prescindir do conhecimento das leis, pois, no dia a dia das administradoras é comum que surjam dúvidas técnicas que exigem preparo para delimitar a atuação com eficiência e eficácia”. São, portanto, como podemos ver, muitos pontos de atuação.

Valzira Souza, que é professora de cursos para síndicos e funcionários de condomínios defende o diálogo para a resolução de qualquer conflito. “É fundamental identificar os papéis de atuação de cada uma das partes. Questões atinentes a cobrança extrajudicial e judicial, assessoria ou consultoria jurídica, elaboração ou atualização de convenção e regimento interno são exemplos de serviços que recorrentemente são inseridos ilicitamente nos contratos firmados com administradoras. Entendo que deve haver o debate das partes envolvidas com o propósito de esclarecer quais competências são atribuídas as administradoras de acordo com a Lei. Nesse ponto, é essencial a atuação dos Conselhos e da própria OAB de propiciar eventos para o debate entre as partes incluindo os síndicos que são os contratantes e na maioria das vezes desconhecem esses aspectos legais”, sugere.

Questionada se mesmo a administradora possuir na sua equipe profissionais da área do Direito, ela estaria autorizada em comercializar esse tipo de serviço, Valzira reforça que não, tendo em vista que os serviços advocatícios não são oferecidos pelos profissionais advogados, mas sim pelas administradoras. “Neste caso, a prestação de serviços jurídicos se encontra vinculada ao contrato celebrado entre condomínio e a administradora. Ademais, vale ressaltar que é vedado a divulgação da advocacia em conjunto com outra atividade. No mesmo sentido, o Código de Ética e Disciplina da OAB considera incompatível o exercício da advocacia com qualquer procedimento de mercantilização”, orienta.

Para concluir ela destaca que a promoção do conhecimento através de disciplinas na grade curricular dos cursos de formação e especializações é de extrema relevância. “Uma opção salutar é a aproximação de administradoras e síndicos através das comissões de Direito Condominial da OAB visando fomentar o conhecimento acerca das prerrogativas da advocacia, inclusive com recomendações formais e produção de cartilhas”, conclui.

MÁRCIO SPIMPOLO

Assessoria jurídica não faz parte da gestão

“Assessoria jurídica não faz parte da gestão”. Com essa frase, iniciamos a análise do tema realizada pelo advogado, professor e coordenador da Pós-graduação em Direito e Gestão Condominial na FAAP/SP Márcio Spimpolo.

De acordo com ele, muitas administradoras acabam oferecendo outros serviços que fogem ao seu escopo principal que é o de auxiliar o síndico na gestão. “A administradora até pode ou deve ter um advogado próprio para assessorá-la internamente. Porém, essa assessoria interna não pode ser expandida ou oferecida para os clientes da administradora, que são os condomínios. Cada condomínio deve ter a sua assessoria jurídica própria e apartada da administradora. Vender serviços jurídicos juntamente com administrativos ou vice-versa pode render problemas junto aos respectivos conselhos profissionais. Em vez de vender outros serviços, as administradoras deveriam focar em como podem profissionalizar a área, que ainda é muito amadora. Felizmente, algumas administradoras, além de só pagar contas, enviar boletos e fazer a parte financeira, já estão se movimentando para ajudar o síndico nessa profissionalização e a formatar um plano diretor, desenvolvendo e acompanhando de perto, junto com o síndico e os demais membros da administração, um planejamento de curto, médio e longo prazos para cada um dos condomínios que administra”, avalia.

Ele minimiza os possíveis impactos que a decisão da Justiça possa provocar no mercado, e nem vê motivos para as administradoras contestarem essa questão. “Contratar advogado para prestar serviços para o condomínio não deveria ser fonte de renda delas. Devem focar na própria gestão. Parar de oferecer esses serviços conjuntamente com a administração é o melhor caminho que podem tomar, mesmo se isso significar momentaneamente perda de qualquer percentual de ganho, afinal a atividade de consultoria e assessoria jurídica é privativa de advogado e não se pode fazer venda ‘casada’ de serviços”, pondera.

Marcio Spimpolo explica que o advogado pode ser proprietário de empresas, inclusive até mesmo de administradoras e concomitantemente de um escritório de advocacia e de uma administradora, pois o Estatuto da OAB não veda essa possibilidade. “O que é vedado, porém, é o exercício em conjunto das duas funções – administradora captando e vendendo serviços jurídicos juntamente com administração e vice- -versa. Como dito, qualquer advogado contratado por uma empresa, prestará serviços apenas para esta empresa e não para os clientes da empresa. O Estatuto da OAB não permite sequer que haja o funcionamento e divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade (art. 1º, §3º, Lei 8.906/94)”, explica.

Ele chama a atenção para outro ponto a fim de alertar as administradoras que fazem cobrança extrajudicial. “Elas até podem fazer esse tipo de cobrança desde que nada seja cobrado a título de honorários de advogado ou quaisquer outros encargos revestidos de honorários de advogado, como, por exemplo, ‘taxas de cobrança’. Somente pode ser cobrado honorários de advogado quando os serviços são executados por escritórios de advocacia (art. 389, Código Civil e art. 3º, Lei 8.904/94).”
Para concluir, ele busca inspiração a fim de harmonizar as relações entre as partes e faz uma citação muito interessante: “Para mim é bem simples e está no título de uma música composta pelo sambista Clementino Rodrigues (o ‘Riachão’) gravada por Gil e Caetano em 1972 – ‘Cada Macaco no seu Galho’. Se cada um exercer o seu papel com especialidade, competência e imparcialidade, todos ganham, principalmente os condomínios”, conclui.

ANDREIA VENDRUSCOLO

Qual papel da administradora de condomínios?

Diante de tudo o que já foi dito nessa matéria e na da edição passada cabe reforçar uma pergunta aqui: afinal, qual é o papel de uma administradora de condomínios? Sobre isso, a REVISTA DOS CONDOMÍNIOS ouvir Andreia Vendruscolo, advogada e diretora da Administradora Casa dos Síndicos, uma empresa de Canoas (RS). De acordo com ela, uma Administradora de condomínios é a auxiliar de administração do síndico, agindo nos seus limites, como uma espécie de “secretária” do condomínio, responsável por executar as deliberações da assembleia e do síndico, nos limites legais, além de orientar seus clientes, servindo sempre como um braço da gestão condominial.

“A estrutura de uma administradora, via de regra inclui setores de pessoal, administrativo, financeiro, fiscal, arquivo, atendimento ao público, tecnologia, etc. Como qualquer empresa, tem o direito de buscar sua assessoria jurídica, assim como, contábil, ou qualquer outra que seja especializada. Se tem conhecimento de que a média de responsabilidades que o síndico tem mensalmente, gira em torno de 160 atividades, isso mesmo, imagine tantas responsabilidades sem ter um suporte qualificado? Vou usar um exemplo simples: A maioria dos condomínios se utiliza de apps especializados para contribuírem no dia a dia da gestão. Se o condomínio fosse desenvolver o seu próprio aplicativo e fizesse a manutenção mensal do mesmo, o valor de investimento inicial ficaria em média de R$ 15 mil, podendo chegar a mais de R$ 40 mil, além das mensalidades mensais e todo o trabalho de manutenção e ajustes por sua conta. Ao passo que, ao contratar uma empresa de auxiliar de administração, o app já conta como uma solução nos serviços disponíveis, e o investimento para adesão ao aplicativo, depende de cada empresa, mas em média se paga uma mensalidade em torno de R$ 100,00 a R$ 200,00 mensais.”, explica.

Para a especialista, falar que a advocacia é atividade exclusiva de advogado devidamente inscrito no quadro da OAB, lhe parece desnecessário, “ou será que um contador pode assinar um projeto de reforma de um imóvel?”. Ela conta que toda vez que é questionada sobre a necessidade de um operador de direito se especializar em condomínios acha graça, “confesso, e sempre brinco perguntando se quando a pessoa tem problemas cardíacos vai ao otorrino?”.

Ela usa da própria experiência para apontar os melhores caminhos para as boas relações entre esses segmentos: “Estou à frente de uma tradicional empresa de administração de condomínios na região metropolitana de Porto Alegre, com 30 anos de história, onde eu trabalho há 22 anos. Quando falamos de empresas sérias, com história, tradição, propósito e valores claros, não há que se falar em prática ilegal de atividades. E, ainda bem, temos muitas empresas assim no mercado condominial gaúcho, e no brasileiro. Não é raro você se deparar com os diretores de imobiliárias e administradoras com formação em Direito, a resposta, talvez, poderia ser, diante da falta de profissionais especializados no mercado de advocacia, da falta de interesse das universidades e também da própria entidade de classe em fomentar o mercado com conteúdo e preparo técnico, fomos em busca do conhecimento necessário para atendermos os nossos clientes. Todavia, a formação de um empresário do segmento condominial, pode ser qualquer uma, Direito, Contabilidade, Medicina, Engenharia, etc. mas o foco, o objeto de trabalho é a administração de condomínios”, pontua.

Que segue acreditando que há espaço para todos que querem fazer um bom trabalho. “Seria excelente se houvesse mais escritórios com advogados condominialistas à disposição no nosso mercado, profissionais com experiência em gestão condominial e de assembleias, não só de teoria. De certa forma, a pandemia nos ajudou nesse ponto, a sociedade “ficou em casa”, os conflitos e dúvidas aumentaram, e muitos profissionais se viram obrigados a buscar a qualificação necessária, já que o volume da procura extravasou. Como a maioria das minhas concorrentes gaúchas, a administradora possui contrato com escritório de advogados condominialistas que presta serviços jurídicos para a administradora, com esclarecimento de dúvidas, análises de contratos, defesas em ações judiciais, e outros serviços inerentes ao dia a dia. Da mesma forma como, possuímos contrato com escritório de advogados trabalhistas e tributaristas, por exemplo, cada um no seu segmento. A consultoria jurídica está à disposição do condomínio que poderá optar por usá-la ou não. O condomínio é quem escolhe o profissional que irá lhe atender, o trabalho principal é auxiliar a gestão condominial, e não advogar, ou reformar o condomínio, por exemplo”, sentencia.

Para concluir, Andreia afirma que não pretende esgotar o assunto, mas deixa uma mensagem final para reflexão: “Como advogada, corretora de imóveis e empresária, respeito uma entidade que fiscaliza pessoas e empresas que possam estar exercendo atividades de forma ilegal, colocando em risco a segurança de pessoas, e desrespeitando profissionais. Todavia, defendo que as coisas não podem ser generalizadas, e acredito fortemente no diálogo. Desconheço os fatos da ação civil pública promovida pela OAB/BA em desfavor de nove administradoras de condomínios, mas uma certeza eu tenho, tudo começa na origem, e a origem vem na educação, nos valores morais e éticos, coisa que nós brasileiros ainda estamos aprendendo. Somos experts no ‘jeitinho’, na ‘malandragem’, mas não resolvemos o problema. A medida ‘pesada’ buscada e alcançada pela entidade baiana, com todo o respeito, não me parece eficaz para combater eventual violação de direitos e prerrogativas dos colegas de classe. Que nós, cidadãos, ao contratarmos uma empresa ou um profissional, tenhamos a clareza solar que não existe almoço grátis”, conclui.

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