Inadimplência em alta. O que fazer?

Efeitos da crise causada pela pandemia de Covid-19 ainda são sentidos nos condomínios. Nossos especialistas apontam caminhos possíveis para administrar essa situação

 
CLODOALDO LIMA

Ações na Justiça por inadimplência em condomínios aumentam 12% em São Paulo. No total, a falta de pagamento da taxa de condomínio resultou em 4.759 ações apenas nos seis primeiros meses de 2022, segundo dados do Tribunal de Justiça de São Paulo. Diante dessa situação, qual a melhor saída para os síndicos? O que devem fazer, do ponto de vista de gestão, uma vez que imbróglios judiciais costumam se arrastar por anos? O ajuizamento de uma ação é mesmo a melhor solução? O que fazer para o condomínio não quebrar? De que forma a situação real das finanças deve ser comunicada aos condôminos? A tendência é que essa alta inadimplência se mantenha, até em razão da crise no país?

“Talvez a hecatombe da inadimplência da primeira metade de 2022 tenha lhe imposto medo ou te paralisado. Seria até compreensível. Os índices dispararam em muitos condomínios com a crise. Prova disso é a enxurrada de garantidoras e antecipadoras de crédito que nasceram nos últimos tempos na área condominial, ávidas por uma parcela do orçamento dos seus condomínios. Tudo ao módico custo de uma ‘taxinha’ de antecipação. ‘There is no free lunch’; ou, em bom português: ‘Não existe almoço grátis’”, avalia Clodoaldo Cesar Souza de Lima, advogado condominial e sócio da ZDL Advogados.

O especialista reconhece que um dos mais ingratos deveres de um síndico é o de proferir a cobrança das unidades inadimplentes. Cobrar é uma arte e, entre gerir e cobrar, os síndicos tendem a pender para o primeiro atributo do cargo. “Nada pessoal, são apenas deveres… Mas, para o condômino que está em débito, fica a imagem do ‘seu Barriga’, aquele personagem do seriado Chaves que batia de porta em porta atrás dos dólares como um bom cobrador de aluguel. A verdade é que muito pouca gente sabe realmente no que consiste a cota condominial”, lamenta Clodoaldo, também palestrante e empresário do ramo de bares e restaurantes no litoral do Estado de São Paulo.

“Em pesquisa recente com os devedores, aqui na ZDL Advogados, quase 70% desconhecem tratar-se a cota de um rateio de despesas. Muita gente ainda tem a visão de uma conta, de um aluguel, de um valor pago ao síndico para a utilização do prédio. Acredite, por mais absurda que a figura possa parecer, essa é a visão de muitos moradores de condomínios. Essa é a razão de muito enfrentamento, muito desgaste e muita inadimplência. Temos uma cultura, em nosso país, que o que é de todos não é de ninguém. E como aparece aquela figura do síndico para tomar a frente das finanças, junto com a responsabilidade de cobrar, é inevitável a antipatia que carrega essa conduta. Com receio dessa antipatia natural, muitos síndicos tomam a pior das atitudes: acabam por ficar paralisados.”

Assim, muitos deixam os débitos se acumularem com medo da imagem antipática. Ou pior, em nome de uma atitude humanitária, traduzida como ‘pena’, deixam de exercer o dever de cobrar. “Quantas vezes, aqui na ZDL Advogados’, não ouvi o síndico dizer: ‘Coitada, é uma senhora, não tem onde morar, por isso não cobro.’ Compreensível essa conduta, não fosse o outro lado da moeda: o que é mais humanitário, cobrar uma dívida em seu nascedouro – com a possibilidade do momentâneo aperto financeiro para a quitação – ou deixar o montante crescer, se tornar inegociável e aquela mesma senhora pagar com a casa a sua dívida condominial?”, questiona Clodoaldo.

Segundo ele, como no original de “Por quem os sinos dobram”, com as alusões críticas de Hemingway à violência dos dois lados da Guerra Civil Espanhola, não cobrar uma dívida que tem o imóvel do devedor como garantia é algo tão violento quanto deixar de honrar suas dívidas no condomínio. Não há razão para tergiversar ou terceirizar responsabilidades. Na metáfora de Phil Knight para as longas maratonas, “quando a dor chegar, apenas não pare. Continue correndo”.

“Há algo particularmente interessante sobre a dor e o sofrimento. Sim, o ato da cobrança para muitos síndicos simboliza dor e sofrimento. E o ser humano, procrastinador por excelência, evita a dor e o sofrimento a todo instante. E a dívida não cobrada vai aumentando. Postergar a cobrança da cota condominial por meses ou anos acarreta evitar a dor do síndico, mas ao custo do sofrimento do caixa do condomínio, sem contar o sofrimento do condômino inadimplente não cobrado, que começa a bater na sua porta. Uma das maiores injustiças que nós, operadores da área condominial cometemos, é não agir de imediato quando uma decisão precisa ser tomada. A posição de síndico exige decisões. E se você não está apto para decidir, não está apto para a sindicatura”, sentencia.

Nesse aspecto, os síndicos profissionais ganham de goleada dos orgânicos, talvez até pela impessoalidade que a profissão exige. “Considerações de parte a parte, o fato é que enfrentamos diariamente a dor de cobrar ou não um inadimplente. Meu recado é a você, síndico, que não permita que a dívida condominial se torne impagável. Nada mais desumano do que ver o condômino perder o bem que tanto lutou para conquistar, por mazelas de síndicos omissos. Vale contratar um escritório de advocacia competente, que saiba fazer a cobrança extrajudicial e a judicial de maneira detalhada, humana e eficiente. A dor final é sofrida, mas depois vem o alívio. O alívio de ter sido não só diligente em suas obrigações, mas sobretudo humano. Entre um fim terrível e o terror sem fim, o primeiro cenário é certamente preferível”, defende.

JOÃO PAULO ROSSI

Aposta no trabalho de conscientização

João Paulo Rossi Paschoal é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, especialista em Direito Civil pela Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, e em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade Corporativa Secovi-SP, além de mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Atua como professor da Universidade Nove de Julho (Uninove), na graduação e pós- -graduação em Direito. Segundo ele, não é de hoje que a inadimplência é um dos principais desafios que os síndicos enfrentam. Tradicionalmente é um problema dos mais comuns que afligem os condomínios e que tende a piorar em épocas de crise econômica, como a sentida no tempo presente, sendo exemplares as estatísticas extraídas dos Tribunais.

“Uma primeira recomendação prática para evitar ou minorar a inadimplência é desenvolver uma campanha de conscientização. O condômino, ou o ocupante da unidade, deve saber que a escolha da vida em condomínio é a opção pela convivência em comunidade. Uma comunidade com farta regulamentação legal – Código Civil, Convenção de Condomínio e Regimento Interno e de dinâmica democrática. Uma comunidade que pode ser formada por pessoas de diferentes perfis, origens e níveis econômicos, na qual todos encontram identidade no interesse em manter o empreendimento imobiliário em boas condições, para o pleno atendimento de sua finalidade e preservação do seu valor de mercado.”

Justamente para satisfazer tal necessidade é que o legislador relacionou como o primeiro e mais importante dever do condômino o de “contribuir para as despesas do condomínio” (artigo 1.336, inciso I, do Código Civil). Trata-se de um dever fundamental do condômino, sendo o condomínio edilício uma entidade frágil e vulnerável que, na maioria dos casos, depende exclusivamente do aporte que é feito mensalmente por cada um dos seus membros, por meio do pagamento da sua cota-parte do rateio das despesas comuns.

“Com efeito, sabendo que ‘o maná não cai do céu’ para os condomínios, é de alta relevância que a inadimplência seja alvo de atenção, controle e correção. Do contrário, a falta de pagamento dos rateios será fonte de insatisfação entre os condôminos adimplentes, que serão forçados a cobrir os valores faltantes, até que o montante da inadimplência seja recuperado. Outra repercussão negativa da inadimplência é que, a depender da sua proporção, os serviços comuns são comprometidos por cortes orçamentários, cancelamento ou troca de contratos de prestação de serviços e de fornecedores, ocasionando maior precariedade na vida condominial”, aponta João Paulo Rossi.

Desse modo, nosso especialista defende que, muito mais que o temor de vir a sofrer as decorrências legais da inadimplência – como multa moratória de 2%, juros mensais, correção monetária e honorários advocatícios -, deveriam os condôminos, sensibilizados pelo estilo de vida em comunidade, que requer maior solidariedade, boa-fé e cooperação entre todos os seus componentes, terem como prioridade o correto pagamento das suas contribuições condominiais, de forma a assegurar o bem-estar coletivo e individual.

“Infelizmente, é evidente que a campanha de conscientização não resolverá, sozinha, o problema da inadimplência, cabendo ao síndico estipular um procedimento padrão – régua de cobrança – que será adotado quando a falta for detectada. No mais das vezes o síndico faz ampla divulgação de que haverá, durante um período limite indicado, um mapeamento dos inadimplentes, bem como a tentativa amigável de recuperação do crédito (cobrança extrajudicial), feita por ele próprio, pelo administrador de condomínios ou por escritório de advocacia. Sendo infrutífera tal tentativa, a inadimplência será executada judicialmente, como permite o atual Código de Processo Civil, em seu artigo 784, inciso X”, lista o advogado, que segue em sua análise.

“A régua de cobrança é um roteiro de como a cobrança será desenvolvida, sistematizando e padronizando os procedimentos condominiais. O uso do caminho judicial, com a ação de execução, depende do exaurimento, sem sucesso, da fase amigável de cobrança, de forma a justificar a exigência dos valores vencidos e vincendos – as parcelas que vierem a vencer no curso do processo. Outro aspecto que merece a atenção do síndico é a comunicação aos condôminos sobre a proporção da inadimplência e como vem sendo realizado o seu enfrentamento. Vale lembrar que o controle da inadimplência faz parte do universo das contas do condomínio, que devem ser prestadas anualmente ou quando exigidas, sendo uma proibição clara existente na lei que o inadimplente participe e vote nas assembleias gerais. Os condôminos, assim, têm o direito de saber quais são as unidades inadimplentes, para que as expectativas legais sejam atendidas.”

Por fim, João Paulo Rossi Paschoal prevê que a tendência de elevação da inadimplência é uma tônica da atualidade, vez que parcela significativa da população sofre com perda de renda, desemprego, descontrole dos gastos públicos e aumento da inflação. Ou seja, muito trabalho à vista pela frente para os síndicos.

AMANDA ACCIOLI

Entenda a base de cálculo das cotas

“Algo que traz muitas dúvidas no âmbito condominial e principalmente entre moradores é a forma de rateio, que é o critério que será utilizado para dividir as despesas apresentadas na previsão orçamentária, e como chega-se ao valor de uma cota condominial. A regra geral estabelece que esse critério seja o de fração ideal que consiste em um percentual indivisível e indeterminável atribuído a cada unidade em relação ao terreno e às áreas comuns. Assim, a cada unidade será atribuída uma fração ideal, levando-se em consideração a área privada, a área comum e o terreno”, explica Amanda Accioli, lembrando que essa forma de rateio é estabelecida pelo Código Civil, em seu artigo 1.336, e artigo 12º da Lei 4.591/64. Dessa forma, assim como no caso da cobrança de IPTU, a área do imóvel é a base para o cálculo da cobrança do condomínio.

Então podemos dizer que ambos estão relacionados ao valor da unidade imobiliária. A fração ideal é um critério estabelecido em lei e que, por si só, justifica a cobrança dessa forma. Mas o critério da fração ideal é obrigatório em todos os condomínios? Não! Não precisa seguir esse critério se este não for o entendimento da coletividade em questão. Todavia, o condomínio precisará aprovar uma nova forma de rateio que poderá utilizar o critério de divisão por unidade de forma igualitária. E isso deverá ser feito em assembleia com quórum qualificado (2/3), pois envolve alteração de convenção, salvo disposição contrária.

“Na minha avaliação, seria o critério de fração ideal o mais equilibrado, uma vez que leva em conta o tamanho dos apartamentos, que numa regra geral, quanto maiores, mais representam no todo e, por consequência, consomem e exigem mais do condomínio. Afinal, muitas vezes, por terem áreas maiores, talvez ali morem mais pessoas, o que aumentaria o consumo de água, a utilização de elevadores, mais vagas na garagem. São situações que impactam diretamente no aumento do consumo e serviços, que, mesmo se não utilizados, permanecem à disposição”, pondera nossa entrevistada, síndica profissional e consultora, além de advogada consultiva condominial.

Mas quais os outros valores que influenciam na cota condominial? O total das taxas condominiais deverá será um valor suficiente para fazer frente às despesas condominiais do condomínio. Assim, para se chegar a esse valor, o qual necessariamente precisará ser aprovado em assembleia, será levado em conta o tamanho do prédio, quantidade de portarias, quantidade de funcionários nestas e portarias, áreas comuns, serviços incluídos, segurança, entre muitos outros.

“Áreas comuns, tais como piscina, sauna, academia e recreação, entram nesse cálculo. A composição da taxa é feita com a soma das despesas ordinárias (previsão orçamentária); extraordinárias (previsão dentro orçamento, apesar de não ser ideal); fundo de reserva (5% permanente, de acordo com a convenção); fundo de obras (permanente ou prazo determinado a ser decidido em assembleia); e ainda despesas com implantação (quando o condomínio é recém-implantado). Então, antes de falarmos sobre a inadimplência e sobre como geri-la, precisamos entender bem o que é cota condominial: o condomínio tem diversas despesas mensais relacionadas ao uso e à manutenção do espaço comum, e para custear esses valores, cada unidade é responsável por uma quota, ou seja, um valor pago mensalmente pelos condôminos.”

Quando um morador deixa de pagar a sua cota condominial, ou seja, sua cota-parte, uma prática comum é o rateio da cota do inadimplente entre os demais, para cobrir o valor e garantir o cumprimento das obrigações do condomínio. Mas isso é justo? “É polêmico, principalmente entre os condôminos, que precisarão arcar com a diferença de valor. Afinal, eles estão adimplentes com as suas obrigações, mas terão que arcar com um adicional devido à falta de pagamento de outro morador. Essa situação de desconforto nos permite concluir que o pagamento da taxa condominial em dia é fundamental para que o síndico, com a ajuda da administradora, consiga arcar com todos os compromissos financeiros do condomínio, evitando a aplicação de juros, multas e outras penalidades que afetarão todos os moradores.”

Quando um condômino deixa de pagar a sua cota, podem surgir dificuldades para o gestor do condomínio quitar todas as despesas e, se o valor pago pelos adimplentes não for suficiente para cobrir os custos mensais, é preciso buscar alternativas para quitar a diferença e, geralmente, o rateio da cota do inadimplente é a opção escolhida. “Nesse caso, o síndico convocará uma assembleia extraordinária para explicar a situação e decidir sobre esse rateio da cota do inadimplente que deverá ser votado e aceito pela maioria dos moradores para ser aplicado. De extrema importância é ter o cuidado de não expor o condômino devedor, apenas mencionar o número da unidade e nunca o nome do devedor, a fim de evitar situações constrangedoras e que possam configurar dano moral, passível de indenização judicial”, alerta Amanda Accioli.

Caso seja aprovado em assembleia, o condômino deve acatar a decisão e pagar a sua parte no rateio, e se ele se “rebelar” contra essa decisão, deixando de pagar sua parte, o seu valor nessa divisão fará com que ele, nesse momento, se torne inadimplente e sofra a aplicação das penalidades previstas na convenção, como juros, multa e ação judicial de cobrança, que pode levar até à penhora do imóvel para quitar o débito.

Cobrar: um dever formal dos síndicos

O síndico tem o dever de realizar a cobrança das taxas condominiais e, caso não o faça, pode até mesmo responder com seu próprio patrimônio. Quem é síndico ou integra a equipe de gestão de um condomínio sabe que a inadimplência dos moradores com a taxa é um dos problemas mais sérios. Entretanto, acontece com frequência, e isso ficou muito evidenciado no primeiro ano da pandemia da Covid-19, que acabou se estendendo até agora. “Primeiro, é essencial que o síndico conte com um bom controle financeiro para identificar a inadimplência assim que ela acontecer. Quando isso ocorre, o primeiro passo é sempre conversar com o condômino para verificar a causa do atraso e como ele pretende regularizar a situação”, aconselha Amanda.

Além disso, é preciso acompanhar a solução do problema de perto e, caso o morador não quite o débito, verificar se as taxas pagas pelos outros condôminos são suficientes para quitar as despesas ou se é necessário tomar outras medidas para levantar a diferença, como a assembleia extraordinária para votar o rateio dos valores. Porém, mesmo que os outros condôminos cubram o valor, é fundamental adotar as medidas de cobrança para que o inadimplente quite o que é devido, e os demais moradores sejam ressarcidos de seus prejuízos, geralmente pelo abatimento nas próximas mensalidades.

“Na verdade, independentemente da pandemia que assolou o mundo e trouxe profundos desgastes financeiros para as nossas famílias, qualquer pessoa pode passar por algum problema financeiro em algum momento da vida: desemprego, doença na família, entre outros, o que pode fazer com que a taxa de condomínio fique atrasada. Exatamente por esse motivo, é fundamental que a cobrança dos inadimplentes seja realizada de uma maneira correta e ética pois, mesmo devendo, o morador merece todo o respeito e todo o suporte para conseguir deixar a condição de devedor”, sinaliza nossa entrevistada, que descrever ainda outro perfil de devedores.

“Sabemos que existem os devedores de cotas condominiais contumazes que, mesmo enquanto devem meses de cotas, seguem viajando pelo mundo e andando pela cidade em carros caros, muitas vezes de luxo. Porém, acredito que a grande maioria passa por dificuldades para realizar o pagamento, afinal considero extremamente constrangedor viver em comunidade condominial sendo considerado um devedor. No caso do síndico morador, que todos os dias se depara com o seu vizinho devedor, é ainda mais constrangedor, creio que para ambos. E, por mais que ele seja mais ou menos ‘amigo’, na hora de fazer a cobrança, o síndico deve se lembrar que se trata apenas de uma relação profissional e comercial, um dever do exercício da sua função. Portanto, ele deve cuidar sempre da forma como será escrita esta cobrança, usando uma linguagem limpa e formal”.

Outra dica importante é que, quanto mais fácil e descomplicado for para o morador regularizar o débito, menos inadimplência o condomínio terá. Assim, disponibilizar a segunda via de boleto atualizada em um sistema em que o próprio morador possa ter acesso, sem ter que solicitar para o síndico, evita constrangimentos e que ele queira negociar juros e multas. Nessa estratégia, é vital a contratação de uma empresa especializada em cobranças. O síndico não só pode contratar uma empresa para ajudá-lo a realizar esta cobrança, como deve fazê-lo.

“Hoje em dia existe a possibilidade de você terceirizar o serviço de cobrança de condomínio para uma empresa especializada, que conta com profissionais experientes e técnicas eficientes para realizar a cobrança da taxa tanto dos adimplentes como dos inadimplentes, e esse contrato não gera ônus ao condomínio, ou seja, tudo é cobrado diretamente do devedor: a empresa cobrará o extrajudicial, e, obtendo êxito, cobrará os seus honorários diretamente dele, devedor, e o condomínio nada pagará, apenas recebendo o repasse do dinheiro com os juros e a correção.”

Há possibilidade de essas empresas serem escritórios especializados tanto na cobrança extrajudicial como na judicial, ou seja, não se obtendo êxito no plano extrajudicial, no tempo hábil estipulado na régua de cobrança junto com o síndico, entra-se com a ação de execução. “Alguns condomínios ainda se utilizam do protesto, mas confesso que não sou adepta dessa linha de ação. Entendo que vale muito a pena apostar na cobrança extrajudicial como forma de gestão eficaz da inadimplência, pois é uma maneira mais fácil, rápida e amigável de negociar dívidas sem inicialmente recorrer aos processos judiciais, e sem gerar grandes desgastes às partes envolvidas, e ainda o condomínio economiza, pois não terá que arcar com as custas de processos judiciais obtendo êxito nesta fase”, relata Amanda.

“Quando me perguntam se vale a pena deixar nas mãos das administradoras de condomínios a cobrança extrajudicial, a minha resposta é sempre um sonoro ‘não’! Única e simplesmente porque ela não é especialista nesse tipo de cobrança, é um auxiliar na gestão do síndico, administrativamente falando, e sou enfática ao escrever: ‘Cada um no seu quadrado.’ Sou adepta das empresas isentas e especializadas em cobranças extrajudiciais, que possuem processos focados no objetivo único de recuperar o pagamento e que ainda poderão entrar com a cobrança judicial, caso a extrajudicial não tenha êxito. Essas empresas, geralmente, fazem toda gestão da inadimplência, com mais eficiência e sucesso nos procedimentos.”

Vale a pena dar descontos?

Outro ponto que muitos síndicos, principalmente os moradores, são abordados na hora de os inadimplentes saldarem as suas dívidas, é se podem conceder descontos, por exemplo, para um “pagamento à vista”. “Para nós, do âmbito do Direito Condominial, é pacífico o entendimento que há ilegalidade na concessão de descontos sobre juros e multas para quitação de taxas condominiais em atraso, haja vista que o Código Civil, mais exatamente no §1º do artigo 1336, assevera que o condômino inadimplente ‘ficará sujeito aos juros moratórios’, sejam eles os convencionados ou aqueles previstos pelo próprio Código Civil. O síndico não pode deixar de cobrar as taxas condominiais, a multa, os juros e a correção monetária, mesmo que a causa seja nobre devido à crise financeira que assola o país por conta do novo coronavírus. Isso não seria justo com aquele condômino que se esforçou para cumprir com sua obrigação e traria um enorme prejuízo a saúde financeira do condomínio”, resume.

O desconto ou o abono concedido ao inadimplente pode configurar enriquecimento ilícito, uma vez que o ato constitutivo do condomínio determina a forma de rateio por fração ideal, e deixar de cobrar dessa forma representa um descumprimento de cláusula convencional. Além disso, caso o síndico conceda desconto para um condômino, terá que conceder para outros que estejam passando pela mesma situação, pelo princípio da isonomia. “Entendo, portanto, que o síndico tem autonomia para dar concessões quanto ao prazo de parcelamento da dívida total, ficando os descontos fora de sua alçada.”

Apesar dos alertas dados aqui, alguns profissionais atuam realizando assembleia específica, onde o síndico aprova o abono ou o desconto dos juros, da multa e da correção, desde que haja a aprovação com um quórum específico de 2/3 dos condôminos, valendo-se de que todas as propostas, quando tratarem de descontos altos e definidos em lei, seriam levadas ao conhecimento de assembleia com pauta e quórum específicos, tirando a responsabilidade do síndico, e transferindo-a a decisão assemblar.

“Porém, reforço que a minha sugestão é sempre em não conceder descontos ou abonos para o condômino inadimplente, pois ele poderá responder por esse ato na prestação de contas, sendo inúmeras as decisões judiciais que julgaram procedentes em favor dos condomínios ações de ressarcimento de quantias inerentes a descontos concedidos por um síndico em um acordo extrajudicial, além dos problemas internos no que tange à isonomia dos condôminos, como já foram mencionados. Portanto, senhores síndicos, muita atenção ao decidirem conceder descontos ao condômino inadimplente! Tenham uma assessoria jurídica condominial especializada para que possam sempre tomar as decisões corretas para o bem do condomínio e para a condução da sua carreira, no caso dos síndicos profissionais”, posiciona-se Amanda Accioli.

E nos casos de acordos não cumpridos?

E o condômino que realizou acordo para pagamento de cotas condominiais em aberto é inadimplente? Como atuar e gerenciar esses casos? Esse é um dos temas que mais geram polêmicas quando a discussão é a dívida condominial. “Precisamos lembrar, inicialmente, que o Código Civil, no Artigo 1.336, inciso I, determina que os condôminos têm o dever de contribuir para as despesas do condomínio na proporção de suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção, e o Artigo 1.335, inciso III, determina que os condôminos têm o direito de participar e votar nas assembleias, desde que estejam quites com suas obrigações condominiais. Se interpretarmos restritivamente o Código Civil, entende-se que, se há cotas condominiais em aberto, o condômino não poderia participar ou votar em assembleia.

Porém, Amanda Accioli chama a atenção para o fato de que existem algumas exceções com a possibilidade de, em alguns assuntos determinados, por exemplo, no caso de sorteio de vagas, alteração da fachada e outras matérias relativas ao direito de propriedade que demandem quórum específico, eles possam votar. “E o que podemos verificar dessa interpretação restritiva do Código Civil e das exceções mencionadas? Notamos que o direito de propriedade não pode ser ferido ou submetido à questão relativa à inadimplência. Afinal, mesmo que esteja inadimplente, o condômino não perde a condição de proprietário de sua unidade e da sua fração das áreas comuns”.

Os condôminos inadimplentes podem, sim, firmar acordos com o condomínio com o intuito de quitar as dívidas condominiais, e isso será formalizado por meio de um Acordo de Confissão de Dívida, que determina a forma de pagamento, o valor total e as obrigações decorrentes dela. “Esse acordo, sendo cumprido, ou seja, sendo pago nos dias de seus vencimentos pelo condômino, sem esquecer que este deverá adimplir também as cotas condominiais relativas aos meses vincendos, o entendimento é de que esse condômino está adimplente, podendo votar nas assembleias. Mas, se o acordo não for cumprido, em qualquer um de seus termos, o condômino retorna à condição de inadimplente, não podendo exercer seu direito a voto, salvo se a matéria versar sobre o direito de propriedade.”

“Assim, entendo que se deve permitir que o condômino que firmou acordo com o condomínio no sentido de efetuar o pagamento das cotas condominiais em aberto e que, por meio desse acordo, efetua os pagamentos devidamente em seus vencimentos, não deve ser considerado inadimplente, podendo participar e votar nas assembleias que forem realizadas. Mas, e se o condomínio quiser mantê-lo como inadimplente até que o acordo firmado seja finalizado? Aí entendo que este pode exercer seu direito de ação, ingressando com medida judicial em face do condomínio, pleiteando até por danos morais em razão da proibição de participar das decisões assembleares.”

E no caso do proprietário que morre e não deixa herdeiros, e as cotas condominiais não são pagas por ninguém? Elas vão vencendo, acumulando-se, e a saúde financeira do condomínio vai sendo abalada. “Pois é, neste ano, pela primeira vez, passei por algo singular como gestora de condomínio, e não como advogada no mesmo. Trabalhando no meio condominial há muito tempo, estava acostumada a lidar com a cobrança das cotas condominiais em atraso em todas essas frentes, tanto no extrajudicial como no judicial; muitos podem achar que é algo sem grande importância e até mesmo rotineiro, e confesso que até mesmo eu achava isso, até eu me deparar com o caso de um condômino proprietário de um dos condomínios nos quais faço a gestão.”

O morador em questão, conta Amanda, morreu ‘do dia para a noite’. “Foi vítima de um infarto fulminante, aos 72 anos, morando sozinho, sem testamento, sem filhos e parentes conhecidos, e consequentemente sem inventário que alguém pudesse ter ajuizado. Explico: tendo deixado apenas um filho e sem outros familiares ou afins como esposa, companheira, irmãos, primos, soubemos pelos vizinhos e pela faxineira que tinha apenas um filho e que este não morava no país há mais de 20 anos e não falava com o pai por todo esse tempo, sendo desconhecido até mesmo o seu nome e paradeiro. Essa era realmente uma situação para uma noite de insônia: além de resolver sobre os trâmites de corpo, IML, enterro, o imóvel em que morava era de alto padrão, com cota condominial alta, o que dificultava a saúde financeira do condomínio após alguns meses sem o seu recebimento.”

Na sequência, ela nos relata qual foi a solução. “Assim, precisei de uma solução inédita junto ao jurídico do nosso condomínio: o residencial teve que solicitar a abertura do inventário do imóvel e se habilitar como credor nos autos do inventário. Vocês sabiam que isso é possível em casos como esse? O Código de Processo Civil impede a ação de cobrança diretamente contra os herdeiros do devedor-proprietário, nesse caso da unidade condominial, e geralmente é a primeira atitude tomada pelos gestores junto aos advogados civilistas não especializados em Direito Condominial. Ledo engano! É o Artigo 988 do Código de Processo Civil que legitima o condomínio a requerer a abertura do inventário como credor e, assim, já indico aqui sua leitura nos bons códigos comentados ou até mesmo via internet”, indica.

Nesse caso, como sabia-se da existência “em algum lugar desse mundo” de um filho do “de cujus”, este ainda está sendo buscado pelas formas legais. “Porém, não encontramos nem mesmo documentos sobre ele em seu apartamento, um verdadeiro mistério este filho! Mas, caso ele seja considerado ausente, o inventariante, ou seja, o condomínio, deverá tomar algumas atitudes no decorrer do processo como, por exemplo, pedir pela alienação do bem para ver satisfeito o seu crédito, ao contrário de ajuizar ação de cobrança.”

“Enfim, esses são os desafios diários da sindicatura profissional que nós encontramos pelo caminho e, por isso, devemos contar sempre com profissionais parceiros muito preparados e com expertise na nossa área de atuação. Como podem perceber, o assunto cota condominial e inadimplência é vasto, amplo, demanda muito cuidado e critério. Por isso, estejam sempre bem assessorados por um bom jurídico e uma boa empresa de cobrança de cobrança de inadimplência, que poderá ser o próprio jurídico, caso seja focado no âmbito condominial”, conclui Amanda Accioli.

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