Síndicos acima de qualquer suspeita, mas nem tanto

Apostar em compliance e transparência é a melhor forma de promover e comprovar a ética à frente da administração condominial, garantem especialistas

 
TARSIA QUILIAO

Deu no site de notícias G1, em setembro deste ano: investigações no Sul do país revelaram esquemas comandados por síndicos de condomínios residenciais. Segundo a polícia, eles planejavam e executavam golpes como falsa venda de apartamentos ou distribuição clandestina de água e gastavam dinheiro dos moradores até em clínicas de estética. Uma verdadeira quadrilha. Daí a importância da correta e transparente prestação de contas, por parte dos síndicos. Diante desse fato, quais cuidados extras o síndico deve tomar nessa prestação de contas? Em casos de evidente mau uso dos recursos por parte do síndico, quais medidas os condôminos podem e devem tomar, de imediato?

“Infelizmente, não é de hoje que temos notícias de condomínios que restaram lesados nas suas contas e, consequentemente, na sua própria estrutura da edificação, por conta de fraudes, furtos e corrupção praticados por síndicos. São inúmeras as notícias de condomínios lesados, síndicos efetuando saques de contas de Fundo de Reservas para uso próprio, edificações e estruturas sucateadas. Mas, estranhamente, com rateio de obras infindáveis. Em todas as esferas, tanto pública quanto privada, ocorre a corrupção, que tanto fere a ética. É um crime praticado por uma pessoa ou uma organização a quem é confiada uma posição de autoridade, a fim de obter benefícios ilícitos ou abuso de poder para ganho pessoal”, lamenta a advogada Tarsia Quilião, especialista no assunto.

Formada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil, pós-graduada em Direito Ambiental pela UFRGS e atuante na área condominial desde 2010, ela segue em sua análise. “Nem sempre é o síndico o sujeito ativo e ou passivo da corrupção. Há alguns casos em que o síndico é tão vítima quanto os moradores, como nos casos de empresas que extrapolam os orçamentos, emitem notas frias, vendem produtos fruto de receptação. Enfim, empresas que, de uma forma ou de outra, se valem da atividade exercida dentro do condomínio para fins ilícitos. Mas, de que forma podemos evitar, ou ao menos mitigar, os riscos de uma contração fraudulenta, preservando os nossos recursos pois, além de pagarmos nossos impostos, efetuamos mensalmente o pagamento das nossas taxas condominiais.”

Para a entrevistada, a solução é uma só. “O compliance e suas ferramentas de implantação, cada vez mais, têm se mostrado o grande herói na luta contra esse ‘câncer’ que paira e assola nossos condomínios chamado ‘corrupção’. O síndico comprometido, o síndico gestor, o síndico ético deve não só conhecer essa ferramenta como aplicá-la diariamente na gestão dos seus condomínios. Infelizmente, poucos têm se mostrado abertos a conhecer e aplicar o compliance, justamente por conta de que o sistema evitará fraudes, corrupção.

Para alguns que se dizem ‘profissionais’, isso não convém. Para esses ‘profissionais’, o compliance será um verdadeiro inimigo, pois, através das ferramentas de mitigação e mapeamentos dos riscos e da due diligence, muita coisa errada acaba aparecendo. Se você perguntar a eles o que é compliance, eles lhe responderão: ‘Uma besteira que criaram, mais uma invenção, que só atrapalha a gestão’. Ledo engano; o compliance acelera a gestão, traz transparência, institui procedimentos.”

Empresária, integrante do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e autora do primeiro e-book de Compliance Condominial, Tarsia ressalta que não é possível deixar de evidenciar e enaltecer os síndicos comprometidos, aqueles que cotidianamente dedicam o seu melhor em prol de uma comunidade, que entregam um trabalho bem-feito, limpo, transparente. “Cabe a esses profissionais se organizarem cada vez mais e se fortalecerem numa rede de apoio para enfraquecer esses ‘abutres’ disfarçados de síndicos, que acabam manchando a reputação de uma classe que merece todo o respeito. Esses profissionais de verdade não só conhecem o compliance, mas aplicam diversas ferramentas do programa nas suas gestões. Compreendem ser esse um auxílio extremamente útil no dia a dia.”

Quanto aos condôminos, a eles cabe a responsabilidade de não apenas acompanhar as contas e a vida diária de onde habitam, mas de escolherem o candidato certo para gerir o seu condomínio, afirma Tarsia, que deixa um alerta importante. “Há um movimento temeroso de que síndico bom é síndico barato, de que síndico bom é quem baixa a taxa, de forma que os condôminos acabam se deslumbrando com propostas de síndicos que, por vezes, são descabidas. E aqui tenho relatos de síndicos que chegam a cobrar um pouco mais de R$ 500 para exercer as atividades de síndico, que englobam diversas responsabilidades nas mais variadas esferas. O recado que dou aqui é: senhores condôminos, desconfiem do que é muito fácil e barato, desconfiem das eternas e infindáveis obras, cobrem dos seus gestores a transparência, a aplicação de normas de compliance, cobrem uma comunicação clara, conheçam as empresas que estão operando dentro do condomínio. Estejam atentos e vigilantes, pois uma administração fraudulenta e corrupta pode colocar em risco a sua segurança, o seu patrimônio e a sua paz”, sentencia ela, atuante na área condominial desde 2010 e autora da obra “Condomínio legal”.

HENRIQUE CASTRO

Deveres e cuidados do síndico

“O Código Civil, no art. 1.348, enumera vários dos deveres do síndico. Mas agora destaco o seguinte inciso: “(…) VI – elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano (…) VIII – prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas. Pois bem, fica a questão: como proceder nessa elaboração do orçamento e na prestação de contas? É certo que o síndico deve ser sempre balizado de assessorias: administrativas, contábeis e jurídica. E a participação dos condôminos no sustento do condomínio deve ser previamente ajustada e aprovada através da assembleia geral ordinária realizada anualmente, conforme dispõe o artigo 1.350”, aponta Henrique Castro, advogado, professor universitário, coordenador do MBA em Gestão e Direito Condominial da Unepos.

Ele lamenta que, na prática, muitos condomínios não se atentem que, para estabelecer um parâmetro de despesas e, consequentemente, fixar a contribuição dos condôminos, é indispensável a elaboração do orçamento condominial. “O que usualmente ocorre é uma previsão orçamentária apresentada nas assembleias, que se constitui num estudo das despesas futuras do condomínio, baseado naquelas dos meses anteriores, para se ter ideia de quanto precisará ser rateado entre os condôminos nos meses seguintes. Assim, o orçamento condominial é um instrumento normativo legal de caráter administrativo financeiro que busca estabelecer parâmetros para a realização de gastos rotineiros e investimentos a serem efetivados durante um determinado ano, e que deve ser muito bem planejado”, resume Henrique.

Após a aplicação de obras e serviços, em contrapartida, é obrigação do síndico prestar contas em assembleia e, quando lhe for solicitado, implantar e buscar por processos de transparência, governança e compliance. E recomenda- -se, sempre que possível, uma auditoria permanente das contas e um conselho forte e atuante. Na hora de elaborar o orçamento, o síndico deve sempre prestar essas contas e se apoiar em muita transparência, mantendo um diálogo franco com os condôminos, buscando entender melhor quais áreas do condomínio carecem da aplicação efetiva de recursos, onde pode se fazer economia, apresentar um planejamento financeira bem rico de informações e sempre primar por levar a satisfação plena da massa condominial.

“E, no caso de desvios de recursos, ou delitos na aplicação do orçamento, poderá o síndico ser destituído e até mesmo ser responsabilizado civil e penalmente por esses atos. Por isso é necessário sempre um grande cuidado e boas práticas no trato e cumprimento de suas obrigações”, conclui Henrique Castro.

RICHARD GUEDES

Conta corrente em nome do condomínio é uma garantia

Contador executivo, sócio fundador da RGcont Finanças e Condomínio, diretor da Sescon- -RJ, auditor condominial, síndico profissional e diretor nacional de Auditoria da Associação Nacional da Advocacia Condominial, Richard Guedes complementa esta reportagem, a pedido da REVISTA DOS CONDOMÍNIOS. “Um dos cuidados para evitar problemas na prestação de contas é adotar uma conta corrente com titularidade em nome do condomínio. Todo o financeiro deve estar em um único lugar, com todas as operações e saídas para investimentos rastreadas no histórico do extrato bancário. Melhor concentrar, para poder organizar”, inicia.

Outra aposta é contratar empresas com experiências no mercado com as devidas referências para consulta e histórico de abertura. “A segregação de funções é um princípio de controle interno que determina que as funções conflitantes entre si, nos diferentes processos de uma organização, sejam separadas entre diferentes pessoas, com o objetivo de evitar riscos. Para os pagamentos dentro de um condomínio, isso é fundamental, para evitar possíveis fraudes. Uma administradora de condomínio que lança os pagamentos no sistema para o síndico aprovar, com a validação de um dos conselheiros fiscais, antes do efetivo pagamento, inibe situações que possam representar desvios”, aconselha Richard Guedes, especialista em Controladoria Pública pela Uerj e Desenvolvimento em Liderança pela Fundação Dom Cabral.

Contatos

Tarsia Quilião

@tarsiaquiliao

Henrique Castro

@henriquecastro

Richard Guedes

rgcont.com.br

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