Drogas no condomínio: da prevenção à busca da solução

Consumo e tráfico atingem unidades privadas e espaços comuns. E exigem que síndicos exerçam capacidades de diálogo, fiscalização, pedir respeito às leis e punição

 
Wilson Araújo

Um dos maiores problemas de saúde do Brasil, e pauta sensível na esfera de segurança pública e criminal, é quando a questão é o uso de drogas nas dependências dos condomínios, e a situação fica ainda mais delicada. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o síndico deve assumir algumas posturas cautelosas ao intervir nesse problema, para não se expor a riscos. Há casos até de pontos de venda nas áreas comuns e unidades particulares. Quanto mais registros relacionados sobre o uso de drogas, maiores condições serão proporcionadas para a ação policial, a qual poderá, dependendo das circunstâncias, ter o flagrante do crime que está sendo praticado. Tanto os Boletins de Ocorrência quanto a chamada das autoridades policiais poderão ser feitos de forma anônima. Se um condômino estiver fazendo uso de substâncias ilegais ou causando transtornos e constrangimentos aos outros moradores, a situação merece toda a atenção.

“De todos os assuntos problemáticos em condomínios, esse talvez seja o mais complicado: drogas. E, infelizmente, ele é um problema muito mais comum do que se imagina. Até por isso, não deve ser ignorado. Então, o que fazer? Para começar, vamos lembrar o óbvio: o uso de drogas ilícitas é crime. Portanto, é proibido que aconteça dentro de um condomínio. E isso nem precisa constar no regulamento interno, já que nenhuma atividade ilegal deve ser permitida. O que pode e deve constar são as regras e punições para quem descumprir leis. As mais efetivas são as multas. Porém, antes delas, vale o diálogo. Tudo bem que essa parece ser uma solução, digamos, mais chata para o síndico ou o administrador. Abordar alguém para falar sobre o uso de drogas não deve ser uma das tarefas mais agradáveis. Mas, diante dos aborrecimentos que podem ser evitados, vale a pena”, garante Wilson Araújo, advogado criminalista do Rio de Janeiro.

Segundo o entrevistado, para a conversa com o condômino é importante o síndico nunca abdicar do respeito, e ter a consciência de que deve tratá-lo como qualquer outro morador. Esse diálogo deve ter foco nas regras do local e aplicação de multas. Caso seja um adolescente o envolvido, é essencial que a família seja comunicada o mais rápido possível, por todo o problema em si, claro, mas também para que a família possa ajudar na solução. Em episódios recorrentes e mais graves, depois que a conversa não surtiu efeito, é indicado que seja considerada a possibilidade de que uma denúncia anônima seja feita à polícia. O síndico ou administrador não deve se envolver pessoalmente com o caso, e tampouco deve deixar a segurança dos outros moradores em risco.

“Quando o uso de drogas no condomínio acontece em áreas comuns, todos sabem que é um ato proibido. Já dentro dos apartamentos, ou das casas, não é tão explícito, mas também pode causar transtornos. Por se tratar de área privativa, não é possível que uma fiscalização seja feita, mas se acontecer um volume considerável de reclamações fundamentadas de vizinhos, o síndico deve intervir”, pontua Wilson Araújo, que lista uma série de dicas para inibir o uso de drogas nos condomínios. “Quando o uso acontece em áreas comuns, normalmente ocorre em locais com menor fluxo de pessoas. Vale intensificar a iluminação e até encontrar alguma utilidade prática para este local. Também um circuito interno de câmeras tende a inibir usuários. Vale orientar o zelador ou porteiro para fazer rondas durante o expediente. E, como já foi citado, deixe claro para os moradores que existem regras a serem seguidas e, quando isso não acontece, punições são aplicadas.”

Juliana Rodrigues

Olhar do ponto de vista da Psicologia

Juliana Rodrigues Faria da Silva é psicóloga formada pela Universidade Católica de Brasília e pós-graduada em Saúde Mental. É uma das autoras do livro “A dependência química e a Teoria de Bowen”, resultado de pesquisa de mestrado, onde foram escutados pais e mães, com o objetivo de discutir os impactos de um dependente químico no seu núcleo familiar, assim como as internações, saídas e reinternações que possam ocorrer no período de reabilitação, e como esse cenário afeta a dinâmica dos pais com filhos nessa situação. Ela também aceitou o convite para colaborar nesta relevante reportagem da Revista dos Condomínios. E desenvolveu um pequeno estudo na seguinte linha: drogas no condomínio e o uso da inteligência emocional na gestão de conflitos.

“Que as drogas existem, não é novidade para nenhum síndico, tampouco para os condôminos. Contudo, o problema começa a se estabelecer no âmbito dos relacionamentos interpessoais, nos deveres e direitos, no incômodo de uns e no benefício do prazer de outros. E, então, surge a questão: fazer o quê? Aqui nos ateremos a explanar as drogas no condomínio à luz da psicologia, e deixaremos para o Direito as cabíveis penalidades legais previstas na Lei. As drogas, de forma milenar, são utilizadas na sociedade. Dentre as muito conhecidas e lícitas, estão o álcool e o tabaco. Atualmente, tem sido muito usual que se vejam pessoas com cigarros com um cheiro distinto e, então, nos damos conta de que era um cigarro de maconha. Há casos de pessoas dentro do condomínio vendendo drogas aos demais moradores. Nem sempre as coisas são tão escondidas. Muitas vezes, a vizinhança sabe de tudo, e o síndico também”, inicia ela, que propõe uma breve reflexão sobre duas situações hipotéticas.

Levamos a criança ao parquinho de um condomínio, na parte pública, e nos deparamos com pessoas sentadas por perto, fumando maconha. O adulto que a acompanha, indignado, diz a si mesmo: “Está ferindo meu direito de usufruir do local dando à minha criança a segurança devida.” Por outro lado, o outro morador desejava fumar em local aberto – e contava com esse direito. Outra: um vizinho decide fazer uma festa e convida amigos com os quais bebe para alegrar-se. Muitas pessoas, alguns perdem o bom senso e agem de forma inadequada. Outros vizinhos se chateiam, pois houve gritaria e som alto, atrapalhando seu sossego. Em ambos os casos, uma pessoa é acionada: o síndico. A esta figura é dado poder de dirimir um conflito. Surge um triângulo relacional: duas partes e um terceiro. O síndico fica em um jogo, no qual poderá ou não se posicionar de forma assertiva. Certamente, será convidado a tomar partido. Talvez, sinta-se obrigado a agradar alguém. Mas o quanto conhece a si mesmo para saber se posicionar em conflitos?

“Resolver conflitos nunca foi fácil. Mas é ainda mais difícil no que se refere às drogas, pois é um grande tabu. Algumas pessoas vão exigir do síndico que não existam drogas no condomínio. Ele pode ser tentado a conseguir impedir bebidas alcoólicas ou tabaco, e ainda que se queira, nem mesmo o uso ilícito de substâncias será totalmente evitado. O síndico é só uma pessoa humana, mas seu cargo lhe deu poderes, dentre eles o de prezar pela lei do condomínio. Ele será chamado sempre. Ele pode se sentir esgotado. Ele pode até mesmo pensar em parar. Mas, certamente, se escolheu essa função, é porque há nele traços de personalidade que lhe impulsionam ao desafio de lidar com o humano, de estar à frente de pessoas, de organizar e, em alguns aspectos, lidar com políticas e leis”, avalia Juliana Rodrigues.

E se escolheu exercer essa função, o síndico passará por diversos sofrimentos em seu trabalho, pois ele, necessariamente, lidará com o desagradar o outro, ser criticado, ser exigido, ser cobrado, sofrer dissabores diversos e pressões. Ele está maduro o suficiente para todas essas questões? A inteligência emocional e a gestão de conflitos estudadas na psicologia podem ajudar nestes momentos. Afinal o que é conflito? Trata-se de um processo inevitável que caracteriza a dinâmica interna das relações humanas. É uma expressão natural do comportamento latente em qualquer forma de interação social. Diante do conflito são necessárias estratégias de gestão.

“A primeira delas é a integração; o conflito é gerido de maneira direta e cooperante, procurando-se alcançar uma solução em colaboração com o oponente. Em seguida, a anuência, que representa a disponibilidade para satisfazer os objetivos do oponente, negligenciando os próprios. Seguimos para a dominação; quando se procura alcançar os próprios objetivos, dominando e suprimindo as necessidades e expectativas do oponente. Em quarto lugar, a evitação, quando o indivíduo ignora ou descuida dos interesses de ambos, evita envolver-se no conflito, mas permanece consciente do mesmo. Por fim, compromisso; os indivíduos apresentam preocupações intermediárias em relação aos próprios objetivos e aos do oponente, pretendendo alcançar decisões aceitáveis para ambos. As estratégias para a gestão do conflito, bem aplicadas, são importantes na manutenção de um ambiente saudável.”

Para a especialista, utilizar as emoções de forma produtiva possibilita desenvolver capacidades para solucionar problemas e desafios que surgem diariamente em um condomínio. Portanto, em um conflito sobre droga, esse não é o elemento central. “As drogas sempre existirão e estarão na sociedade. Um condomínio será uma pequena sociedade com suas regras e normas. Dentro deste, também haverá drogas, mas elas precisam ser tratadas da maneira adequada para a microssociedade que está neste condomínio com suas leis vigentes. Diante de todo o exposto, não podemos deixar de levantar a importância do autoconhecimento e da psicoterapia como meio de proporcionar maior inteligência emocional e estratégias pessoais e interpessoais aos síndicos e aos condôminos.”

Christiane Romão

Responsabilidade dos inquilinos

Psicóloga e síndica profissional, Christiane Romão também entra na nossa conversa. “O uso de drogas nos condomínios é sempre ilícito, pelo fato de ser considerado crime. Ignorar o problema estimula o aumento da insegurança e motiva a mudança dos moradores, que têm suas moradias desvalorizadas. A Lei nº 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, prevê ser crime a aquisição, guarda, depósito ou transporte de drogas para uso pessoal. Antes das ações, de modo a evitar problemas e processos por danos morais, certifique-se de que a reclamação tenha fundamento, pois atualmente existem cigarros aromatizados, como os de cravo, cigarros de palha ou o consumo de tabaco de formas menos usuais, como o cachimbo, os quais, justamente pelo reclamante não conhecer o cheiro das drogas ilícitas, podem levá-lo à confusão”, aconselha.

Mas e quando a situação se trata de um inquilino? “É preciso que, no contrato de locação, constem cláusulas específicas que deixem claras essa proibição. Deixo também um alerta, que ainda corre o risco de o dono do imóvel ser indiciado pelo crime que estiver sendo cometido no local. Caso o locador saiba do que ocorre e seja omisso, assim como se o condomínio tiver indícios de que o proprietário já foi notificado e permanece com a locação para o inquilino praticar o tráfico de drogas, o proprietário do imóvel pode também responder pelo crime. Então, é importante a criação de campanhas que possam alertar os proprietários a procurarem informações criteriosas antes de concluir um contrato de locação, pois muitos desconhecem a legislação, o que agrava o perigo para a sociedade e para os outros condôminos”, alerta.

Diante da análise cuidadosa da situação, o síndico deve ser capaz de avaliar o momento para agir da melhor forma. Sua conduta varia se o uso acontece nas áreas comuns ou nas áreas privativas. Especialmente quando ocorrer em áreas comuns, é importante que, após as certificações feitas, se houver condições, que o síndico possa chamar para uma conversa, na tentativa de fazer a mediação da situação orientando e alertando, em especial quando falamos de menores de idade, em que essa mediação pode ser feita junto aos seus pais. Não obtendo sucesso, é preciso seguir para o relato as autoridades policiais e lavrar um Boletim de Ocorrência. Cabe à polícia a repressão ao consumo de droga, não sendo uma atribuição de qualquer condômino, inclusive do síndico. Para o condomínio, pode ser uma opção contratar um segurança particular ou terceirizado.

“Essa é uma situação que causa não só constrangimento aos envolvidos, mas também aos condôminos. Quando o assunto é ponto de venda dentro do condomínio e se é utilizada a unidade privada para tal, é importante evidenciar que esse caso não é passível de intervenção do síndico, exceto se o uso perturbar a segurança, a saúde e o sossego dos demais condôminos. Nessa situação, o morador prejudicado deve relatar o caso no livro de ocorrência ou por e-mail. O síndico deverá advertir o usuário de forma genérica pelo comportamento antissocial. É importante não imputar o uso de drogas para que não pareça um julgamento. O consumo de drogas ou sua comercialização é uma ameaça ao ambiente público ou privado e, seja qual for a ocasião, não deve em hipótese alguma ser ignorado. É um problema que deve ser resolvido com máxima prioridade.”

Neste sentido, Chris Romão considera importante o gestor incluir, caso ainda não conste, na Convenção e Regimento Interno, a total proibição ao consumo de drogas ilícitas, bem como das lícitas em uso exagerado (narguilé, bebidas, cigarros de aromas), principalmente se estiverem interferindo na rotina, saúde e sossego dos demais moradores, além da pena em relação ao descumprimento de leis federais, estaduais e municipais. Além disso, estabelecer na assembleia que vai proceder essa modificação da convenção, a pena a ser aplicada em nível máximo, assim como o parâmetro utilizado para punir qualquer outra atividade ilegal dentro do condomínio.

Consumo de drogas ilícitas pode ser um grande problema para os condomínios, gerando insegurança
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