Anúncio legal, para todo mundo ver

Embora não exista legislação específica, condomínios podem estabelecer regras sobre a instalação de placas de venda ou locação em portões e fachadas

 
CARLOS GABRIEL FEIJÓ
DANIEL FAIRBAIRN

A maioria dos condomínios proíbe a colocação de anúncios de venda ou aluguel de imóveis nas janelas, portões e fachadas dos prédios, o que costuma gerar reclamações de corretores e dificultar a vida de proprietários interessados em fechar negócios com a sua unidade. Afinal, o que a legislação diz a respeito? O que pode ou não ser feito? Nesses casos de anúncio de venda ou locação, quem manda é o bom senso ou cada condomínio estabelece suas regras nas convenções? A Revista dos Condomínios conversou com especialistas para esclarecer essas dúvidas.

“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude da lei. Essa afirmativa, fundada no art. 5º, II da Constituição, é utilizada por condôminos para tentar fazer valer uma liberdade maximizada para certos tipos de conduta não habituais. Dentre essas condutas, se destaca a colocação, indiscriminada, de anúncios de venda, cuja vedação, muitas vezes, não está prevista na convenção ou regimento interno. Ocorre que esse princípio não traduz uma exigência de proibição expressa ou literal, pois, em certos tipos de relação, sua própria natureza impõe a limitação comportamental, cujos contornos se escoram na necessidade de uma avaliação casuística. Esse é o exato caso das relações condominiais”, afirma Carlos Gabriel Feijó, da Bragança & Feijó Sociedade de Advogados.

Especializado em Direito Empresarial e Imobiliário, nosso entrevistado segue em sua explicação. “Na medida em que o Código Civil limita o uso do que é comum à viabilização da própria indivisão, ao respeito, ao sossego, à salubridade, à segurança e aos bons costumes, temos que, mesmo sem expressa proibição, diversas condutas podem ser proibidas ou limitadas. Aqui vale destacar que, até mesmo para não se filiar a uma visão moralista da definição de conceitos jurídicos, os bons costumes acima referidos, enquanto sistema de controle de conduta nas relações condominiais, se apresentam como verdadeira cláusula de vedação ao abuso comportamental, funcionando como método de solução para a controvérsia.”

Equilíbrio entre direitos e deveres

Mas, então, a instalação de placas ou anúncios de venda é uma conduta que deve ser proibida a priori? É possível pensar em uma proibição genérica? “Primeiramente, é preciso entender que limitar a publicidade não se confunde com o impedimento do direito do proprietário ou titular de direito de cedê-lo na forma autorizada em lei. Isso porque, enquanto o direito de disposição é intrínseco da propriedade, assim como a cessão, o direito de expor o desejo de venda ou cessão, pela qualquer forma que julgar necessário, não o é. E a razão dessa diferenciação está calcada no reconhecimento de que essa externalização do desejo de disposição vai de encontro e conflita com o direito dos demais condôminos.”

Carlos Gabriel Feijó propõe a simulação de determinada situação. Imaginemos que um condômino que deseje informar publicamente seu desejo de venda e, todos os dias, resolva gritar a plenos pulmões, das 6h às 10h: “Pessoal, quero vender meu imóvel!”. A solução para esse caso parece simples, pois é óbvio que tal conduta viola o sossego da coletividade e há base legal clara para isso. Fica claro o desafio de analisar os anúncios de venda. Como já antecipado, se constar a proibição na convenção e até no regimento interno, a resposta é positiva, pois tais atos normativos têm vocação para a regulamentação do uso das partes comuns e das diretrizes de uso da propriedade exclusiva.

“Na ausência do comando proibitivo expresso, resta ao síndico a avaliação da possibilidade ou não da instalação de tais anúncios. Assim, na falta da proibição expressa, não se falará de uma negativa a priori. Para esse intento de controle, parece adequada a verificação de excessos ou abusos; placas excessivamente grandes, fixadas nas fachadas, nos portões e com aspecto rudimentar são casos a serem coibidos. Nessa linha, é preciso lembrar que a introdução de placas e anúncios alteraram, mesmo que temporariamente, o aspecto geral e estético dos empreendimentos de forma não esperada, pois a colocação de propaganda de venda não faz parte do uso normal do imóvel, mas sim excepcional, o que permite maior controle”, pontua Carlos Gabriel Feijó.

Outra importante estratégia é a convocação de uma reunião de assembleia geral para aprovação de regulamento sobre o tema, seja para a padronização, seja para a proibição. Em conclusão, o debate dos anúncios de venda, em geral, é tema espinhoso, pelo qual se expõe o delicado equilíbrio direito-dever do condômino em relação à coletividade condominial. O que se destaca é a imprescindível exigência de que o síndico domine, ou se assessore de quem domina, os conceitos jurídicos necessários para verificar os abusos e excessos a serem coibidos.

Riscos à segurança e desvalorização

“A legislação federal é omissa sobre o assunto, situação que causa uma certa insegurança jurídica no mercado imobiliário, pois, em alguns condomínios, a colocação de anúncios é permitida, enquanto em outros tal prática é vedada. Diante da lacuna legislativa, o que prepondera é o teor da convenção do condomínio ou do regimento interno, que pode dispor sobre o assunto ou não. Quando não há previsão na convenção, e tampouco no regimento, a decisão caberá ao síndico, em um primeiro momento, podendo também vir a ser discutida em assembleia”, reforça Daniel Fairbairn, sócio administrador da Daniel Fairbairn Sociedade Individual de Advocacia.

Com mais de 15 anos de experiência em diversos ramos do Direito, em especial Civil e Imobiliário, o especialista aponta que tanto a autorização de anúncios de venda ou aluguel de imóveis como sua proibição são possíveis, desde que sejam formalizadas e aprovadas em assembleia com maioria simples, caso não conste na convenção nenhuma regra a respeito. Já se houver necessidade de alterar as regras estipuladas na convenção, deve-se seguir a deliberação com o quórum qualificado de 2/3 de presença dos condôminos na assembleia.

Alguns síndicos sustentam que a colocação de anúncios de venda ou aluguel de imóveis nas janelas, portões e fachadas dos prédios pode colocar em risco a segurança do condomínio, ao atrair criminosos disfarçados de interessados ou simplesmente obstruir parte da visão dos porteiros. Vale lembrar que pendurar placas e faixas nas janelas ou varandas caracteriza alteração de fachada. Por mais que seja por um período provisório, elas podem “poluir visualmente” o edifício. É fato que um número elevado de placas trará esse efeito e possível desvalorização do imóvel. Daí a importância da padronização e de regras de utilização desses anúncios.

“Nesse cenário, a padronização é mesmo a melhor alternativa, e talvez seja mais pacífica do que simplesmente proibir, porque assim pode harmonizar o interesse dos proprietários em divulgar sua intenção de venda ou de locação do seu imóvel, de forma mais ágil, sem comprometer a segurança do condomínio e sem ocasionar danos visuais. Os condôminos podem vir a decidir o melhor formato das placas, assim como a sua tonalidade, fonte e o tempo de exposição do anúncio”, defende Daniel Fairbairn, membro da Comissão de Direito Condominial da Associação Brasileira de Advogados-RJ.

Outro fator a ser levado em conta nesse debate tem a ver com a Covid-19. “A rotatividade nos condomínios tem sido cada vez mais restrita, situação ocasionada com o agravamento da pandemia. Não obstante, se as visitas forem agendadas previamente com a imobiliária e com a presença obrigatória do respectivo corretor de imóveis, não vislumbro nenhuma diferença do que ocorre quando um interessado na compra ou na locação de um imóvel aleatório o faz através dos portais imobiliários de ampla divulgação. E, caso esses anúncios locais sejam primordiais para o sucesso no exercício da profissão de corretor, seria interessante a classe procurar algum deputado federal ou senador que ‘abraçasse a causa’, de forma a redigir e colocar em votação um Projeto de Lei que estabeleça regras claras sobre o tema”, conclui.

Link