CRÔNICA CONDOMINIAL VOLUME 2 – “SOU PROPRIETÁRIO, LOGO EXISTO”

Ser proprietário é uma das maiores vitórias que uma pessoa pode ter. Além de ser uma das bases do nosso Estado Democrático de Direito, ser dono de um imóvel é um sonho comum de praticamente toda a população. Não importa se você trabalhou toda a vida para adquirir o imóvel, se ganhou ou herdou o bem, ser proprietário de um imóvel é uma conquista, ainda mais se pensarmos que a maioria da população mundial não chega a ter essa oportunidade. A conquista é ainda mais gratificante quando você se torna dono do lugar onde você iniciará ou manterá sua família. Mas esse texto não é para discorrer sobre o instituto jurídico da propriedade e seus efeitos. Também não é para falarmos da felicidade em ser um proprietário de uma casa, apartamento, loja, sala comercial etc. Nosso foco aqui é falar sobre como essa conquista pode gerar a ilusão de que por ser proprietário, alguns limites não lhe são aplicáveis. Essa reflexão é interessante para compreendermos alguns comportamentos corriqueiros na vida em condomínio. Vamos a eles:

1) “Sou proprietário, logo não preciso pagar condomínio, taxas de uso de áreas comuns etc.” Boa parte das oposições em assembleias e discussões giram em torno da insatisfação de um proprietário em ter despesas. É lógico que é relevante economizar, mas ter propriedade é ter despesas. Sejam despesas com manutenção ou cobranças extras para reformas ou uso de salão de festas, academias etc. Se essas despesas incomodam muito, a pessoa deve pensar em comprar imóvel em condomínios mais modestos e/ou antigos, sem grande variedade de áreas comuns ou buscar outra solução. 

2) “Sou proprietário, logo voto nas assembleias de condomínio como desejar” Se estiver quite com suas obrigações condominiais, a condição de proprietário lhe concede o direito de votar em assembleias. Porém, esse direito não lhe dá “carta branca” para votar da forma que desejar. Por exemplo: não se pode reprovar contas de síndico sem fundamento, não se pode votar contra a realização de obra necessária etc. Se o seu voto contribuir com a prática de um ato ilícito assemblear, tanto o condomínio quanto o titular de voto podem ter que indenizar as vítimas. 

3) “Sou proprietário, logo posso fumar à vontade na minha unidade” Por um lado, ninguém pode proibir que um morador fume em sua unidade… mas, por outro, se a fumaça incomodar os vizinhos, o fumante pode ser advertido, multado e até processado pelo condomínio e/ou vizinhos. O que você faz na sua unidade é problema seu até o limite do sossego, saúde e segurança dos demais.

4) “Sou proprietário, logo posso pisar forte no meu apartamento e até dançar se eu quiser”

 

Você é um daqueles moradores que gosta de pisar forte no apartamento? Andar de salto alto? Dançar? O comentário do item anterior serve para esse, bem como para qualquer outra atividade. Tome cuidado ao pisar no chão, alguém pode estar querendo dormir no apartamento de baixo.

5) “Sou proprietário, logo devo ser tratado com respeito” Essa afirmação é tão utilizada e tão negativa quanto a fala machista “lute como homem”. Ambas estão carregadas com o pensamento discriminatório que se tem. Todos devem ser tratados com respeito, proprietários, moradores, visitantes, prestadores de serviço, empregados, administradores, síndicos, advogados etc. Ser proprietário não o torna melhor do que ninguém.

6) “Sou proprietário, logo o uso do elevador social e outras áreas comuns sociais são proibidas para quem não é” A reflexão do item anterior serve para esse também. Existe a possibilidade de se restringir o uso de determinadas áreas comuns de lazer, mas jamais as de acesso, salvo hipótese de carga e descarga de bens. Já basta de discriminação dentro e fora do condomínio.

7) “Sou proprietário, logo serei melhor síndico do que quem não é proprietário” Ser proprietário não lhe concede o título de Gestor de Propriedades Urbanas, Síndico 5 Estrelas, Especialização em Gestão Condominial ou semelhantes. Um proprietário pode ser um bom síndico, mas tem que se capacitar como qualquer pessoa.

8) “Sou proprietário, logo ninguém dita regras na minha propriedade além de mim” 

Sua propriedade não é um país soberano acima da Lei do país. E a legislação determina que a convenção e assembleias de condomínio regularmente realizadas podem estipular regras que se aplicam a você, queira ou não.

Como nesse texto estamos buscando racionalizar algumas atitudes e demonstrar que são baseadas em conceitos ilusórios do direito de propriedade, traçando uma analogia com a fase célebre “penso, logo existo” do filósofo francês René Descartes, destacamos duas conclusões essenciais para alcançarmos a harmonia condominial: (1) sou proprietário, logo tenho deveres além dos direitos sobre a minha propriedade; e (2) E sou proprietário, logo isso não me faz
melhor do que nenhum outro ser humano. 

André Luiz Junqueira

Professor, advogado com mais de 18 anos de experiência e autor do livro “Condomínios – Direitos & Deveres” ; Sócio titular da Coelho, Junqueira & Roque Advogados, atuante em todo Brasil e que representa cerca de 10% dos condomínios do Rio de Janeiro. Contato: contato@andreluizjunqueira.com.br; Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida. MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas; Certificado em Negotiation and Leadership pela Universidade de Harvard; Professor convidado do SECOVIRio, ABADI, Gábor e da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RJ; Consultor jurídico da ABADI; Membro das Comissões de Direito Urbanístico e Imobiliário, Condominial e de Turismo da OAB/RJ; Membro e ex-diretor jurídico da ABAMI; Membro da Comissão de Condomínios do IBRADIM; Membro da Comissão de Direito Imobiliário do IAB; Colunista dos portais SíndicoNet, Universo Condomínio e da Revista Síndico – Cidades & Serviços; Consultor da Revista Condomínio etc.

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